São Paulo, segunda-feira, 17 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Integração regional e crise global

JOSÉ RENATO VIEIRA MARTINS e GIORGIO ROMANO SCHUTTE


É compreensível que, neste momento de dificuldades econômicas, ressurjam dúvidas quanto ao processo de integração

O IMPACTO diferenciado da crise financeira global e a persistência de entraves estruturais despertaram antigas críticas a respeito da conveniência de insistir na integração regional como parte estratégica de uma política de desenvolvimento nacional e de inserção no mundo globalizado. É compreensível que, neste momento de dificuldades econômicas, ressurjam dúvidas quanto ao processo de integração.
A maior crise do capitalismo mundial no ano passado provocou uma nova onda de protecionismo, conforme foi levantado em vários estudos, entre os quais o do Banco Mundial.
Conflitos comerciais surgiram também no Nafta, entre os EUA e o México. Não foi diferente na América do Sul. A conjuntura internacional incentiva políticas que incorporem o protecionismo.
Ainda assim, em 2008, a corrente de comércio brasileira com os sócios do Mercosul totalizou US$ 36,67 bi, o que configura aumento de mais de 25% com relação a 2007 e quatro vezes o montante registrado em 2002. A recuperação da economia brasileira trará benefícios diretos e indiretos para todos os países da região.
Quanto mais rápido os países vizinhos também se recuperarem, tanto mais fácil será para o Brasil retomar a trajetória de crescimento econômico e inclusão social.
A existência de forças adversas ao avanço da integração impõe pragmatismo e flexibilidade ao processo. Exemplo é a dupla cobrança da TEC, que de fato representa um passo importante a ser dado pelo Mercosul, que exige um sistema comum de distribuição da receita aduaneira e a redação de código aduaneiro. A não conclusão desse tema na Cúpula de Assunção não significa que tenha saído da pauta, pois deve continuar em tramitação no segundo semestre.
Somente na década de 90 foram criadas de fato as condições para o aprofundamento da integração no Cone Sul, estimulada por mudanças políticas regionais, assim como pelos acontecimentos mundiais.
O mundo assistiu a uma segunda onda de regionalismo, e a América Latina se viu obrigada a repensar a sua inserção internacional.
Num primeiro momento, o processo se concentrou na liberalização do comércio. Esforços de integração produtiva, melhoria da infraestrutura e harmonização de políticas sociais são muito mais recentes.
A criação do Parlamento do Mercosul, do Instituto Social e dos fundos de Convergência Estrutural, da Pequena e Média Empresa e da Agricultura Familiar são passos fundamentais no fortalecimento do Mercosul.
Não menos importante é a ampliação dos espaços institucionais de participação social. A criação do Conselho Brasileiro do Mercosul Social e Participativo é exemplo disso.
Na mesma linha entram a criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e o Instituto Mercosul de Estudos Avançados (Imea). Consolidam-se, assim, importantes iniciativas comunitárias que podem gerar uma visão regional, arbitrar conflitos entre seus membros e suscitar um dinamismo integrador sustentável.
Recentes conflitos comerciais demonstram somente que o caminho da integração regional não é fácil e que não acontece no vácuo, mas interage com os acontecimentos globais, como a atual crise global.
Da mesma forma, não é fácil argumentar que, sem os atuais processos de integração, a situação seria melhor. Afirmar a existência de um regime de integração não implica negar que possa haver retrocessos, os quais também podem ser observados no processo de integração europeia.
Essa nova agenda institucional ajuda a manter e aprofundar a integração regional no momento difícil pelo qual passa a economia mundial.
A frustração com o lento avanço em áreas cruciais acaba, compreensivelmente, ocupando a cena e deixa passar despercebida uma série de iniciativas tomadas não só no âmbito da nova agenda institucional mas também com o avanço de negociações conjuntas com terceiros, como a assinatura do acordo de comércio preferencial entre o Mercosul e a Sacu, União Aduaneira do Sul da África.
A importância do processo de integração para aumentar o peso da região no cenário mundial não deve ser subestimada.
Não se trata, portanto, de ignorar os desafios da integração em meio à crise global, mas de valorizar o arcabouço construído até aqui e reconhecer a importância da nova agenda institucional, que deve permitir novos saltos de qualidade no futuro próximo.


JOSÉ RENATO VIEIRA MARTINS , 50, doutor em ciência política pela USP, é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.
GIORGIO ROMANO SCHUTTE , 45, doutor em sociologia pela USP, é membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacint) e pesquisador do Ipea.

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