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JOSÉ SARNEY
Bom-dia a cavalo
A mídia é sempre uma moeda de
duas faces, aquelas duas leituras
que os chineses identificam em todas
as coisas, que eles resumem: o dia e a
noite, o Sol e a Lua.
Lembro-me de uma pequena história que ouvi de Afonso Arinos -e como ele faz uma falta danada ao Brasil- num tempo em que não conhecíamos a comunicação em tempo real.
Ele contou-me que um seu colega da
faculdade de direito foi feito herói
quando enfrentou um ladrão que tentava roubar a carteira de uma colega.
Derrubou o ladrão, tomou a carteira e,
ainda com um pé em cima do cujo, teve direito a foto na primeira página do
"Estado de Minas".
Passou o tempo e, um dia, pediu ao
pai que arrumasse uma colocação para o antigo amigo e colega. Quando
disse o nome ao doutor Afrânio, este
indagou-lhe: "Não foi esse, Afonso,
que esteve envolvido no roubo de
uma carteira?".
Calculem o que não se passa, hoje,
com as pessoas que são vítimas dos
vazamentos que ocorrem nas investigações "sigilosas" utilizadas por agentes públicos para terem os seus "dez
minutos de fama".
Soltam o furo e, de repente, os cidadãos, que têm, segundo a Constituição, direito a defesa, a privacidade e a
proteção da imagem, são submetidos
a tribunais de exceção da mídia. Imediatamente, coisa de um minuto de televisão, são acusados, julgados e condenados. Não há necessidade de processo, os fins foram alcançados. A pena e o castigo já foram impostos, com
a aplicação da tortura moral, mais
cruel do que a física.
Faço essas reflexões com os olhos
nos holofotes que se acenderam nos
jornais sobre a Receita Federal. Por esse órgão, transitam centenas de milhares de processos, de investigações e de
procedimentos destinados a defender
o dinheiro público -quer contra a sonegação, quer na apuração do enriquecimento ilícito.
É uma repartição que, graças a Deus,
não tem a cultura do escândalo. Basta
citar as declarações corretas do seu secretário, Jorge Rachid, sobre o seu silêncio, um exemplo da cultura do órgão: "Eu tenho de preservar o sigilo. É
uma coisa que nós, auditores, aprendemos na nossa formação". É uma
cultura de responsabilidade, fora da
ribalta das vaidades. Por isso aquele
órgão é tão reconhecido no seu trabalho. Uma Receita a serviço da política
ou da mídia seria uma tragédia. Voltaríamos aos tempos da colônia, em que
se governava com a chibata do feitor e
com o confisco.
O método da delação vazia, acobertada por vazamentos de agentes públicos, é costume das polícias políticas.
O ministro Gilmar Mendes, em decisão que proferiu no Supremo Tribunal Federal, tratou dessa violação do
direito do indivíduo que é submeter
alguém a um processo por razões pessoais ou de facção. Diz ele: "A submissão do ser humano a um processo judicial indefinido, e a sua degradação
como objeto estatal, atenta contra o
princípio da proteção judicial efetiva e
fere o princípio da dignidade humana".
Faz parte do estilo de vida na sociedade de comunicação a sedução irresistível de aparecer.
Desapareceu o velho ditado popular
"O silêncio é de ouro", ou o ensinamento da sabedoria nordestina:
"quem fala demais dá bom-dia a cavalo".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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