São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Alimentos mais caros
JORGE BORNHAUSEN
O governo do PT conseguiu que a questão da produção e do custo de alimentos -cuja escassez se reflete na fome que pretende extinguir- e os índices inflacionários, as duas pontas da economia que pareciam paralelas nos programas políticos nacionais, condenadas a nunca se encontrarem na vida brasileira, ficassem finalmente frente a frente, submetidas a um mesmo e consciente programa de estímulos. O certo é que o artigo 155, par. 2º, inciso VII da reforma tributária determina o fim de todas as isenções, redução de base de cálculo e crédito presumido, pondo fim ao atual sistema de medidas compensatórias que reconhecem o caso singular do produtor rural brasileiro. Ora, como 99% dos nossos produtores rurais (precisamente 2.972.076), grandes e pequenos, são pessoas físicas, não dispõem de meios contábeis para se creditarem com os impostos pagos por seus insumos. A forma utilizada para permitir que o preço do produto final (arroz, feijão, leite, carne etc.) não seja onerado por impostos já pagos pelos insumos foi um conjunto de medidas compensatórias heterodoxas, como a isenção de tributos nas operações de comercialização dos insumos. Sabendo que o custo dos insumos representa um percentual elevado na produção agrícola brasileira -e que, no sistema atual, com os mecanismos compensatórios, o ICMS médio é baixo-, os cálculos sobre o que ocorrerá depois da reforma tributária permitem prever um aumento de preço ao consumidor final da ordem de 7,99%, segundo simulações demonstram amplamente. A apresentação desses quadros, com essa singeleza, sem a sofisticação de termos dos jargões da agricultura e da economia, estarreceram a mim e aos senadores que assistiram à sua apresentação pelo presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Antonio Ernesto de Salvo -um mineiro sereno, prudente e que não levantou a voz para produzir esse impressionante grito sobre os riscos que decorrerão desse texto da reforma tributária à estabilidade do país. Ocorreu-me, então, fazer uma releitura do projeto e verifiquei que o seu maior defeito está justamente na incapacidade do governo petista de entender o país, suas diversidades -não apenas as anedóticas, mas as profundas. Tentar padronizar, como faz a esquerda histérica, a "classe dos proprietários" certamente foi a visão que originou esse tal dispositivo. Ora, tomar a situação de 29.551 empresas agrícolas que existem no Brasil e esquecer o 1,9 milhão de produtores pessoas físicas é verdadeiramente imperdoável para um planejador público. Fazer leis que só podem ser aplicadas a 1% de uma classe composta por 3.001.627 produtores rurais é um equívoco que só comete quem não sabe o que faz. Ou, mais precisamente, quem não sabe nada de produção agropecuária. O pior é que o PT e seu candidato, hoje na Presidência, enganaram feio o povo, dizendo que sabiam tudo, tinham planos, mudariam o país em poucos dias e, passados dez meses, são capazes de fazer para 3 milhões uma lei só aplicável a 29.551. A ironia está no fato de que justamente o governo, instituidor do Fome Zero, seu cavalo-de-batalha publicitário, ameaça tornar economicamente inviável a produção dos alimentos básicos da dieta do povo brasileiro, como feijão e arroz. Mas ainda há tempo para uma humilde retirada desses dispositivos loucos da reforma tributária. Jorge Bornhausen, 66, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Francesco Scavolini: Família e identidade brasileiras Índice |
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