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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Alimentos mais caros

JORGE BORNHAUSEN

O único benefício que se pode conceder ao governo do PT para a retirada da acusação de aumentar o preço dos alimentos de 7% a 16% é alterar o projeto de reforma tributária que, conforme trabalho da Confederação Nacional da Agricultura bem demonstra, aumentará em 150%, no mínimo, o ICMS sobre os insumos agrícolas. Só para citar cinco produtos, serão elevados os custos da produção do leite (em 12%), do feijão (em 7%), do arroz (10%), da carne bovina (7%) e da batata (16%).
Caso persistam os absurdos contidos no projeto de emenda constitucional 41/03, aprovado a toque de caixa na Câmara e que se pretende também aprovar no Senado, teremos neste país uma das mais violentas altas de preços de alimentos, o que ampliará a dificuldade de acesso dos mais pobres à alimentação básica, deflagrando um consistente -para usar a palavra certa numa expressão constrangedora- processo inflacionário.
É curioso que seja justamente o governo de um partido popular a operar essa situação limite. Imaginava-se que o PT fosse efetivamente produto de uma aliança consequente de lideranças populares, em função das atividades sindicais de muitos dos seus chefes, com o pensamento acadêmico mais sofisticado. Expectativas que o governo Lula está desmentindo com suas iniciativas equivocadas, como tratar a pobreza com programas demagógicos que confinam e estigmatizam os marginalizados da economia, em vez de promover o emprego.
Mas nada até agora superou os equívocos, na proposta de reforma tributária, dos artigos que atingem a produção agropecuária.



Nada até agora superou os equívocos, na proposta de reforma tributária, dos artigos que atingem a produção agropecuária

O governo do PT conseguiu que a questão da produção e do custo de alimentos -cuja escassez se reflete na fome que pretende extinguir- e os índices inflacionários, as duas pontas da economia que pareciam paralelas nos programas políticos nacionais, condenadas a nunca se encontrarem na vida brasileira, ficassem finalmente frente a frente, submetidas a um mesmo e consciente programa de estímulos.
O certo é que o artigo 155, par. 2º, inciso VII da reforma tributária determina o fim de todas as isenções, redução de base de cálculo e crédito presumido, pondo fim ao atual sistema de medidas compensatórias que reconhecem o caso singular do produtor rural brasileiro. Ora, como 99% dos nossos produtores rurais (precisamente 2.972.076), grandes e pequenos, são pessoas físicas, não dispõem de meios contábeis para se creditarem com os impostos pagos por seus insumos. A forma utilizada para permitir que o preço do produto final (arroz, feijão, leite, carne etc.) não seja onerado por impostos já pagos pelos insumos foi um conjunto de medidas compensatórias heterodoxas, como a isenção de tributos nas operações de comercialização dos insumos.
Sabendo que o custo dos insumos representa um percentual elevado na produção agrícola brasileira -e que, no sistema atual, com os mecanismos compensatórios, o ICMS médio é baixo-, os cálculos sobre o que ocorrerá depois da reforma tributária permitem prever um aumento de preço ao consumidor final da ordem de 7,99%, segundo simulações demonstram amplamente.
A apresentação desses quadros, com essa singeleza, sem a sofisticação de termos dos jargões da agricultura e da economia, estarreceram a mim e aos senadores que assistiram à sua apresentação pelo presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Antonio Ernesto de Salvo -um mineiro sereno, prudente e que não levantou a voz para produzir esse impressionante grito sobre os riscos que decorrerão desse texto da reforma tributária à estabilidade do país.
Ocorreu-me, então, fazer uma releitura do projeto e verifiquei que o seu maior defeito está justamente na incapacidade do governo petista de entender o país, suas diversidades -não apenas as anedóticas, mas as profundas. Tentar padronizar, como faz a esquerda histérica, a "classe dos proprietários" certamente foi a visão que originou esse tal dispositivo.
Ora, tomar a situação de 29.551 empresas agrícolas que existem no Brasil e esquecer o 1,9 milhão de produtores pessoas físicas é verdadeiramente imperdoável para um planejador público. Fazer leis que só podem ser aplicadas a 1% de uma classe composta por 3.001.627 produtores rurais é um equívoco que só comete quem não sabe o que faz. Ou, mais precisamente, quem não sabe nada de produção agropecuária. O pior é que o PT e seu candidato, hoje na Presidência, enganaram feio o povo, dizendo que sabiam tudo, tinham planos, mudariam o país em poucos dias e, passados dez meses, são capazes de fazer para 3 milhões uma lei só aplicável a 29.551.
A ironia está no fato de que justamente o governo, instituidor do Fome Zero, seu cavalo-de-batalha publicitário, ameaça tornar economicamente inviável a produção dos alimentos básicos da dieta do povo brasileiro, como feijão e arroz. Mas ainda há tempo para uma humilde retirada desses dispositivos loucos da reforma tributária.

Jorge Bornhausen, 66, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido.


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