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São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Risco Brasil e desenvolvimento

Neste último "suelto" do ano, tomo a liberdade de tentar esclarecer dois assuntos que têm sido levantados por alguns leitores. O primeiro refere-se à afirmativa de que o mais importante fato ocorrido com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido o reconhecimento, pelo mundo político internacional, de uma mudança definitiva do nosso "status" político. Com a tranquila e elegante sucessão entre Fernando Henrique Cardoso e o atual presidente, o Brasil fica a dever-lhes sua definitiva promoção política: de "republiqueta" nos transformamos em República Latino-Americana, encerrando o ciclo de eventuais e aleatórios desrespeitos à Constituição de plantão. A Constituição de 1988, com todos os seus problemas, vai consolidando velozmente nossas instituições democráticas e está aí para ficar.
Uma das sugestões que utilizamos para mostrar aquele fato foi a queda do risco Brasil desde a pose de Lula, em janeiro de 2003, que foi maior do que a redução do risco médio dos países emergentes. Um dos leitores observou, corretamente, que "a situação em janeiro era de grande incerteza, de forma que a queda do risco provava muito pouca coisa". É claro que o risco Brasil tem um co-movimento com o risco médio dos países emergentes. Entretanto é a diferença de queda entre eles que "mede", digamos, o "efeito Brasil". Não parece, portanto, absurdo supor que a queda mais rápida do risco Brasil se tenha devido, em parte, a um aumento da liquidez internacional (que afeta todos os países) e, em parte, à eliminação do "risco Lula" que estava embutido no risco Brasil de janeiro.
Um segundo problema que tem sido levantado por alguns leitores refere-se à recente discussão sobre a receita para o desenvolvimento econômico rápido: taxa de juros real baixa e taxa de câmbio real desvalorizada, com controle do movimento de capitais e acumulação de reservas para ganhar credibilidade. Quem não conhece o axioma "moeda forte, economia fraca"? O modelo ajuda a "explicar" os milagres do crescimento do Japão, da Alemanha e da Itália depois da Segunda Guerra Mundial. Ele foi, em certa medida, utilizado no Brasil num passado não muito recente e tem sido utilizado no presente pelos países asiáticos. O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) preparou uma tabela, publicada na própria Folha, que, ao comparar a variação do PIB e a variação do IDH (entre 1980 e 2001) com a variação do câmbio real médio dos países (1980-1990 e 1990-2001) e a taxa de juro real média (1990-2001), sugere uma relação relativamente estreita entre taxa média de crescimento do PIB com câmbio real desvalorizado e taxa de juro real baixa.
A receita é interessante, mas está longe de ser "universal", isto é, de poder ser utilizada em qualquer economia e sob qualquer condição, uma vez que produz efeitos colaterais. Em condição de déficits fiscais e de limitação do endividamento público, a manipulação simultânea da taxa de juro real e da taxa de câmbio real pode tornar indeterminado o sistema de preços: leva ao pleno emprego juntamente com aumento da taxa de inflação. Essa é a combinação ideal para o estabelecimento de medidas defensivas na distribuição de renda (correção monetária) e para a criação das condições que acelerem ainda mais a inflação. É preciso muito cuidado e imaginação para manter o controle monetário sob uma crescente acumulação de reservas.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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