|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Vigias devem portar armas de fogo?
NÃO
O necessário adeus às armas
CARLOS MIGUEL AIDAR
A violência no Brasil precisa ser
combatida, preliminarmente, em
suas causas estruturais, a partir da mudança da perversa equação da distribuição de renda. Feita a ressalva, não há como deixar de constatar que, nos últimos
anos, o Estado não tem sido capaz de
evitar a criminalidade crescente em todos os espaços nacionais. E, por conta
de deficiências do aparelho policial, um
gigantesco exército de vigilantes privados se estabeleceu, ocupando espaços
privados e públicos, sendo um dos fatores do aumento da criminalidade.
Os dados mostram a terrível realidade: só em São Paulo, há cerca de 400 mil
vigilantes privados e 120 mil policiais,
numa proporção de mais de 3 por 1.
Atualmente, parcela significativa dos
policiais exerce algum trabalho remunerado fora da PM, sendo, às vezes, a
atividade policial secundária em relação
ao chamado "bico". Pois bem: dados da
polícia mostram que, entre 1990 e 1998,
cerca de 23% das mortes dos policiais
militares ocorreram quando o policial
estava de serviço e que 77% delas ocorreram quando os policiais estavam de
folga, geralmente exercendo uma segunda profissão. Se isso acontece com
policiais treinados, o que podemos esperar de vigias de rua armados?
A conclusão não pode ser mais evidente: a vigilância armada é um pavio
aceso. E por que isso ocorre? Primeiro,
por conta da própria cultura da vigilância. As exigências são mínimas: bons
antecedentes, porte de arma, aulas elementares de legislação e tiro. A lei estadual que deseja armar os vigias não amplia os requisitos da lei federal 7.102, que
dispõe sobre segurança em estabelecimentos financeiros. Numa sociedade
que se arma intensamente, a rede de segurança privada acaba se tornando
mais um sistema capaz de alimentar a
violência -em vez de solucioná-la.
Sem dúvida, mais segurança constitui
um dos pleitos mais recorrentes dos
brasileiros, chegando, nas regiões metropolitanas, a ocupar o primeiro lugar
entre as demandas da população. Para
quem duvida, agora há pesquisas para
mensurar o "índice do medo" nas grandes cidades brasileiras. Metade da população de São Paulo, por exemplo,
considera que pode ser vítima de um
crime. Se formos examinar a moldura
de violência, em nosso país, chegaremos facilmente à conclusão de que, ao
lado da Colômbia, ocupamos a triste
posição de uma das nações mais violentas não só do nosso continente mas
também do planeta. O próprio IBGE
aponta São Paulo como o Estado com
maior percentual de mortes violentas
do Brasil. No entanto armar parcela da
população não será a resposta ideal para
reduzir os índices de violência.
Compete ao Estado aplicar a lei, reprimindo o crime. Quando isso não ocorre
de modo eficaz, a população vivencia
uma sensação de anomia e impunidade,
que aflige, sobretudo, as comunidades
vitimadas. Coloca-se, assim, em risco a
solidez do Estado democrático de Direito, pois a sociedade não pode desfrutar
de seus direitos básicos: direito à vida e à
propriedade. Alguns buscam a alternativa da segurança privada e descobrem,
depois, que a questão da segurança não
pode ser resolvida individualmente.
Há muito, vimos nos batendo pela necessidade de restringir o comércio legal
de armas a partir da adesão espontânea
da população ao desarmamento. Portanto, se o porte de arma for permitido
aos vigias de rua de São Paulo, estaremos contribuindo para educar em sentido inverso, incrementando a violência. As armas, como já ficou comprovado, são inúteis para a autodefesa, visto
que, na quase totalidade das vezes, seu
usuário está despreparado para o ataque. Servem, no fim, apenas para aumentar o arsenal nas mãos dos delinquentes e criminosos, além de criar
uma sociedade mais beligerante.
Diante dessa dura radiografia, não
resta dúvida: abrir a legislação para permitir que vigilantes de rua possam fazer
uso mais constante do gatilho é querer
transformar o espaço público em terra
da barbárie. Se tivéssemos um sistema
educacional avançado, vigilantes altamente qualificados, quadros policiais
motivados e ganhando salários condignos, não teríamos o aumento da criminalidade, o incremento do medo entre a
população e obsolescência das estruturas de segurança.
Temos, portanto, mudanças importantes para realizar na tentativa de reduzir a criminalidade -sem armar ainda
mais a população civil. Uma regra de
ouro para reduzir a violência é, sem dúvida, a certeza da punição. Por isso temos expectativa positiva de que o novo
ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, consiga levar adiante um programa profundo de reforma do Judiciário, que transforme a realidade brasileira. No mundo globalizado, onde o crime organizado, a corrupção e o terrorismo ganharam dimensões inusitadas, os
delitos se tornaram mais complexos, e a
aplicação da lei necessita ser mais ágil
para evitar a impunidade e a perpetuação do crime. Porém, na Justiça brasileira, as ações caminham vagarosamente,
demandando anos até as sentenças finais, em decorrência de vários fatores,
dos quais destaco três: o formalismo
processual, o excesso de leis e a ausência
de meios alternativos de Justiça. Combatendo essas três mazelas, estaremos
dando um grande passo para reduzir a
criminalidade em todas as ruas do país
-sem precisar armar os vigias.
Carlos Miguel Aidar, 54, é presidente da seccional paulista da OAB.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Vigias devem portar armas de fogo?
SIM Afanasio Jazadji: É um reforço contra a criminalidade Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|