São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

80 anos em prol da democracia

John Stuart Mill, em 1859, sonhava com o dia em que a imprensa livre pudesse se tornar a grande arma para combater os governos corruptos e tirânicos. Em 1900, o seu sonho ainda não havia sido realizado.
Na verdade, a liberdade de imprensa é uma conquista relativamente nova. Uma pesquisa recente, que classificou a imprensa como livre, parcialmente livre e amarrada, registrou só 68 nações no primeiro grupo, 52 no segundo e 66 no terceiro. Apenas 1,2 bilhão de pessoas vivem no mundo da imprensa livre; 2,4 bilhões conhecem a imprensa parcialmente livre; e mais de 2,5 bilhões não têm a menor idéia do que seja a liberdade de expressão (Leonard R. Sussman, "The News of the Century", 1999).
O Brasil, felizmente, está no primeiro grupo. Mas os brasileiros, especialmente os mais jovens, acham que a liberdade que temos veio como dádiva de governantes generosos e compreensíveis.
Nada disso. A conquista da liberdade de imprensa constitui um dos capítulos mais árduos na nossa história. Ao longo do século 20, o país viveu mais anos de autoritarismo do que de democracia. A travessia de um regime para outro foi realizada a duras penas e grandemente baseada no denodo de jornalistas corajosos, deliberados e profundamente comprometidos com a causa democrática. A liberdade é como a saúde: só a valorizamos quando a perdemos.
Um jornal como a Folha de S.Paulo, que completa 80 anos, sentiu na pele o que era viver subjugado e, sem se acomodar, lutou com todas as suas forças para libertar o povo da mordaça da censura, da intervenção e do arbítrio. Na verdade, essa luta tem raízes profundas. Já no ano de sua fundação (1921), a então "Folha da Noite" lançou a campanha pelo voto secreto; em 1931, foram as longas campanhas pela saúde pública; em 1945, foi desfraldada a bandeira pela cédula única; durante toda a década de 70, foi a luta pela redemocratização; em meados dos anos 80, foi a liderança da Folha de S.Paulo na importante campanha pelas Diretas-Já; em 1993, foi o esclarecimento do povo a respeito do plebiscito, parlamentarismo ou presidencialismo. E daí para a frente a luta constante pela moralidade pública.
Hoje nos queixamos da corrupção que ainda impera no país. Mas é a imprensa livre que nos faz saber disso. Lamentamos as negociatas que são feitas no mundo da política. Mas é a imprensa livre que permite julgar os negociantes para negarmos o nosso voto. Odiamos quando se usurpam os direitos dos consumidores, trabalhadores, produtores e cidadãos em geral. Mas é a imprensa livre que orienta a população em relação aos usurpadores.
Podemos discordar da maneira pela qual esse ou aquele veículo se comporta. Mas ninguém subestima o valor da liberdade que prospera em nossa imprensa. Os abusos existem, é verdade, mas são para ser discutidos. A moderação é necessária, mas é para ser apreendida. A temperança é útil, mas só surge com o tempo. É essa figura equilibrada de Octavio Frias de Oliveira, cuja vida podia ser de aposentado, que reúne em uma só pessoa a moderação e a temperança que tanto contribuem para conter os abusos e manter a imprensa livre. Um grande exemplo para todo o Brasil.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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