São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Opinião da vaca

RIO DE JANEIRO - Durante algum tempo, pensei em escrever um romance que teria um título comprido: "Opinião da Vaca sobre a República Federativa do Brasil no Último Quartel do Século 20". A palavra "quartel" se justificava então, pois vivíamos sob um regime militar.
E a opinião da vaca seria importante, pois não se tratava de uma vaca louca, mas de uma vaca normal, sã e lúcida como costumam ser as vacas.
Cheguei a escrever alguns capítulos. A minha vaca se chamaria Desdêmona, nome impróprio para qualquer vaca, louca ou não. Apesar do nome, não teria nada de shakespeareana, seria antes uma vaca palustre e bela como aquela do poema de Jorge de Lima. E teria opiniões pouco respeitáveis, mas em absoluto seria uma formadora de opinião. Pelo contrário: seria um produto das opiniões vigentes.
Daí que muito me assustei quando comecei a ouvir falar em vaca louca e Canadá, país onde, se existem vacas, nenhuma delas deve ser louca. Já quase tivemos uma guerra por causa das lagostas que eram igualmente sadias, como a minha vaca.
Isso sem falar na saúva, que durante os cinco primeiros séculos de nossa história foi a nossa inimiga preferencial. Nem o Brasil acabou com a saúva. Tampouco a saúva acabou com o Brasil, ainda.
Saúva e Brasil bolaram um protocolo de coexistência pacífica, mas potencialmente continua como a ameaça que infelicitou o major Policarpo Quaresma, do Lima Barreto, e o Macunaíma, do Mário de Andrade.
A vaca louca de agora, que tanto preocupa o Canadá, talvez não tenha opinião alguma a respeito da crise que provocou. Nem tenha qualquer opinião a respeito de si própria.
Vantagem para a minha vaca, que tem opiniões. O diabo é que a opinião dela, genericamente, não deixa bem o Brasil nem o resto do mundo, inclusive o Canadá.


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