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CARLOS HEITOR CONY
Opinião da vaca
RIO DE JANEIRO - Durante algum tempo, pensei em escrever um romance que teria um título comprido:
"Opinião da Vaca sobre a República
Federativa do Brasil no Último
Quartel do Século 20". A palavra
"quartel" se justificava então, pois vivíamos sob um regime militar.
E a opinião da vaca seria importante, pois não se tratava de uma vaca louca, mas de uma vaca normal,
sã e lúcida como costumam ser as vacas.
Cheguei a escrever alguns capítulos.
A minha vaca se chamaria Desdêmona, nome impróprio para qualquer
vaca, louca ou não. Apesar do nome,
não teria nada de shakespeareana,
seria antes uma vaca palustre e bela
como aquela do poema de Jorge de
Lima. E teria opiniões pouco respeitáveis, mas em absoluto seria uma
formadora de opinião. Pelo contrário: seria um produto das opiniões vigentes.
Daí que muito me assustei quando
comecei a ouvir falar em vaca louca e
Canadá, país onde, se existem vacas,
nenhuma delas deve ser louca. Já
quase tivemos uma guerra por causa
das lagostas que eram igualmente sadias, como a minha vaca.
Isso sem falar na saúva, que durante os cinco primeiros séculos de nossa
história foi a nossa inimiga preferencial. Nem o Brasil acabou com a saúva. Tampouco a saúva acabou com o
Brasil, ainda.
Saúva e Brasil bolaram um protocolo de coexistência pacífica, mas potencialmente continua como a ameaça que infelicitou o major Policarpo
Quaresma, do Lima Barreto, e o Macunaíma, do Mário de Andrade.
A vaca louca de agora, que tanto
preocupa o Canadá, talvez não tenha
opinião alguma a respeito da crise
que provocou. Nem tenha qualquer
opinião a respeito de si própria.
Vantagem para a minha vaca, que
tem opiniões. O diabo é que a opinião
dela, genericamente, não deixa bem
o Brasil nem o resto do mundo, inclusive o Canadá.
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