São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001 |
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Não é o fim do mundo
RUDIGER DORNBUSCH
"Os relatos sobre minha morte foram amplamente exagerados", brincou Mark Twain certa vez. O mesmo poderia ser dito sobre as previsões de um pouso duro da economia dos EUA. É verdade que as coisas ficaram um pouco mais difíceis, mas o pouso duro é só isso. Não é uma recessão e, com certeza, não é o fim do mundo. A pesquisa Gallup mais recente indica que os americanos já não estão se sentindo superotimistas, mas ainda se sentem à vontade. Quanto ao grau de satisfação com a qualidade de vida nos EUA, 33% se disseram muito satisfeitos; 56%, satisfeitos até certo ponto. As condições econômicas do país foram consideradas boas ou excelentes por 67% dos entrevistados, 63% dos quais previram que, dentro de um ano, estarão em melhores condições financeiras do que hoje; 73% informaram não estar preocupados com a possibilidade de perder os seus empregos. E têm razão. Depois de cinco anos de "boom", durante os quais o crescimento anual ultrapassou os 4%, a economia sofreu um desaquecimento, chegando a crescimento quase zero. O ímpeto, como sempre, foi dado pelo Fed (Federal Reserve - banco central dos EUA). Nenhum período de expansão nos EUA simplesmente perdeu pique e esfriou por conta própria. Todos foram derrubados pelo Fed; sempre pelo mesmo motivo: o temor da inflação. Desta vez, porém, as coisas foram diferentes. O Fed atuou antecipadamente; a cura poderá ser muito mais branda: um aumento moderado no desemprego e uma pausa breve no crescimento. O plano está funcionando. É verdade que o desaparecimento do crescimento está sendo repentino, mais drástico do que um pouso suave, e que a carnificina no setor de alta tecnologia é terrível. Mas tudo isso está dando lugar à questão de "o que virá a seguir". E a resposta, evidentemente, é recuperação e expansão. Não há nada de fundamentalmente errado com a economia americana. Pelo menos nada para o que uma recessão pudesse ser a resposta correta. O superaquecimento e o risco de inflação eram o problema. O risco já vem sendo resolvido por dois trimestres de crescimento mais lento e, possivelmente, mais dois que ainda temos pela frente. É hora de pensar de onde virá o movimento ascendente. Como em todas as depressões anteriores, a resposta está na política monetária e fiscal. Com a inflação reduzida, a política monetária fica livre para reduzir o custo do capital e reconduzir os consumidores ao festival de gastos, além de renovar a estabilidade financeira. A política fiscal tem muita liberdade. E 71% dos participantes na pesquisa Gallup acham que pagam impostos demais. As políticas monetária e fiscal funcionam nos EUA; elas já nos tiraram de todas as recessões. Em seis meses a economia estará recuperada. É claro que esse cenário cor-de-rosa encerra alguns riscos. O ajuste para baixo nas expectativas de lucros das empresas pode não ser invertido em pouco tempo. A confiança dos consumidores pode cair mais um pouco. Mas é pouco provável que isso cause problemas. É mais provável que o verdadeiro problema seja uma recuperação econômica enérgica demais. O Fed sofre pressões para compensar uma queda de crescimento que se revelou maior do que o previsto e o Tesouro está sob pressão para gerar reduções de impostos. Com tanta pressão, como poderemos ter a certeza de que os responsáveis pela política econômica não estão pisando um pouco fundo demais no acelerador? Esse é o verdadeiro problema dos EUA hoje: se pisarem pouco, abrem caminho para a falência; se pisarem fundo demais, seremos levados muito além do nível de pleno emprego. Seus resultados formam a longa demora com que são sentidos os efeitos da política monetária -cerca de nove meses-, o que significa que o Fed precisa colocar a sua atividade em andamento antes de ter uma chance de ver o que o Tesouro está fazendo. E o Tesouro vai agir sob pressão da baixa atual antes das iniciativas do Fed exercerem efeito. Isso significa que existe o risco de exagerar. É bom não esquecermos que a economia americana se encontra em fase de emprego pleno. Qualquer crescimento superior a 3% seria excessivo. Alguns observadores vão achar que essa discussão toda passou longe do essencial: como os EUA podem se manter gastando o suficiente para evitar problemas? Com reduções nos impostos incentivando as famílias a gastar ainda mais e as reduções nos juros subscrevendo as ações cujos preços continuam altos demais, afirmam, a casa de cartas já deveria ter caído há tempo. Mas não devemos esperar uma queda nas ações, na confiança ou no crédito. A economia americana é fundamentalmente sadia. E se todas essas previsões estiverem erradas e realmente ocorrer um colapso? Cuidado com o "Schadenfreude" (o prazer sentido com as desgraças alheias). Se o problema dos EUA não é um buraco pequeno, mas um abismo, então o mundo inteiro está seguindo pelo mesmo caminho. O interesse em ver os EUA se recuperarem é de todos. Rudiger Dornbusch, 59, é professor de economia no MIT e ex-assessor econômico chefe do Banco Mundial e do FMI. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Dalmo de Abreu Dallari: Democracia e pluralismo Índice |
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