São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001

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Democracia e pluralismo

DALMO DE ABREU DALLARI


O partido político que optar pela realização de prévias certamente ganhará o respeito do eleitorado brasileiro

Um sistema político é democrático quando as decisões fundamentais refletem as opiniões de muitos, e não apenas de um pequeno grupo ou de uma só pessoa. Essa ponderação foi feita pelos "pais da pátria" norte-americana no momento de criação da Constituição dos EUA, em 1787.
A mesma observação tem cabimento quando se trata da tomada de decisões, no âmbito interno dos partidos políticos, a respeito de questões fundamentais e que poderão influir nos rumos do partido, na sua força eleitoral e na sua sobrevivência como opção política.
O partido em que tais decisões forem tomadas por um só ou por um pequeno grupo de dirigentes perde a autoridade para se oferecer como opção democrática para o eleitorado. E é indispensável que a tomada final das decisões de maior importância seja o resultado da possibilidade de escolha entre várias opções. Não basta que muitos possam se manifestar, se houver uma escolha única preestabelecida.
Tudo isso deve ser levado em conta agora, quando os partidos políticos brasileiros começam a considerar seriamente, já em termos de encaminhamento de decisões, que posição deverão adotar nas eleições para a escolha do próximo presidente da República.
O primeiro ponto a decidir é se o partido irá apresentar candidato próprio ou se deverá integrar uma coligação. Se a preferência for por um candidato próprio, é indispensável que todos os eleitores inscritos no partido possam participar da decisão sobre o nome a ser apresentado.
Isso é necessário para que a escolha do candidato seja democrática, mas também para que a candidatura seja a expressão legítima da vontade de todo o partido e assim possa dar ao eleitorado em geral a certeza de que contará com o apoio efetivo de seu próprio partido.
Essas questões já constituem problema imediato para vários partidos políticos brasileiros. Mas, tendo em conta as características, os antecedentes, a força eleitoral já comprovada e a existência de nomes de expressão nacional com real possibilidade de serem eleitos, há dois partidos que devem refletir cuidadosamente sobre isso. Um deles é o PSDB, que tem vários nomes expressivos, mas nenhum reconhecido como sendo manifestamente mais conveniente -por ter sustentação evidentemente superior dentro do partido ou por representar melhor a fidelidade às idéias e propostas básicas do programa partidário.
Pode-se falar em José Serra e em Tasso Jereissati como dois presidenciáveis de grande expressão, mas nenhum deles é unanimidade no partido. É evidente que poderá ser produzida uma unanimidade mediante negociações entre os grupos que sustentam os principais candidatos em potencial, mas, se isso acontecer, não haverá qualquer segurança quanto ao apoio de todo o eleitorado do partido. Será mesmo muito provável a dispersão desse eleitorado, que não terá participado da decisão.
Uma situação paralela, embora com características muito diferentes, é a do PT, que vive o dilema de continuar apegado às tradições históricas do partido, apresentando, uma vez mais, a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, ou admitir que outro nome de grande expressão do partido possa ser o candidato, como seria o caso de Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque ou Tarso Genro.
Aplicando-se o acima observado e tendo em conta as circunstâncias concretas do PT, pode-se dizer que, embora Lula seja uma das mais importantes lideranças políticas brasileiras das últimas décadas e não obstante a sua posição extraordinariamente corajosa, clara e firme na luta contra a ditadura e em favor da democracia, se sua eventual candidatura for resultante de uma decisão exclusiva da cúpula partidária, não virá com a mesma força que poderá ter se resultar de uma decisão adotada com a participação dos militantes do partido.
Muitos militantes e simpatizantes do PT que têm por Lula o máximo respeito acham que sua possibilidade de vitória numa disputa presidencial é, por várias razões, muito discutível. Além disso muitos consideram que seria mais democrático e mais justo permitir que outros nomes de grande expressão e com grande tradição no partido possam pretender a candidatura, dando-se aos militantes partidários a decisão prévia.
Por todos esses motivos e por outros que poderiam ser adicionados, a realização de prévias partidárias, nos moldes das eleições primárias dos grandes partidos norte-americanos, para a escolha do candidato do partido à Presidência da República seria a melhor solução nos dois casos referidos e em outros que pretendam ser, autenticamente, exemplos de uma prática democrática, recebendo daí a sua autoridade para postularem o governo do Brasil, numa democracia e para a democracia.
O partido que optar pela realização de prévias partidárias ganhará o respeito do eleitorado brasileiro. E certamente seu candidato terá grande possibilidade de receber o apoio de eleitores e de entidades que detestam as imposições das cúpulas políticas e anseiam por transparência e autenticidade na vida pública.


Dalmo de Abreu Dallari, 69, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Erundina).


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