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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

A fonte moral da reação

Neste espaço , trato quase sempre de alternativa para o Brasil. Evito a primeira pessoa do singular; já basta o espetáculo do narcisismo, que, entre nós, como em todo o mundo, acompanha a política como lembrança de nossa queda original. De vez em quando, porém, convém aproveitar experiências pessoais para encarar, de maneira mais direta, problema coletivo. Meu tema hoje é a idéia da grandeza como motivo das ações. A grandeza nunca é narcisista; credenciando o ardor com o sacrifício, distingue-se pela entrega da pessoa a uma tarefa exigente, generosa e transformadora. Transformadora tanto da situação quanto do agente.
Os primeiros passos do governo do PT só podem provocar tristeza em qualquer cidadão informado. Sinalizam rendição que, embora defendida em nome da cautela, não pode trazer desenvolvimento ou justiça ao país. Isso não significa que a manutenção do rumo atual vá quebrar o Brasil: a quebradeira pode ou não acontecer, dependendo de um conjunto de circunstâncias externas e internas. Mais provável é que a nação e o seu governo continuem afundando na mediocridade.
Para ter a dimensão dessa tragédia, é preciso lembrar os últimos quarenta anos. O golpe de 1964 interrompeu evolução que vinha transformando o PTB no maior partido brasileiro e no agente de um trabalhismo que se purgava de suas mazelas. Uma geração de ditadura foi seguida por outra geração em que o PT se estabeleceu como principal força progressista. O Brasil, tradicionalmente país muito desigual que crescia, passou a ser país muito desigual que não cresce. Na chegada ao poder, depois de tudo isso, os petistas se arriscam a virar bando de perdidos ou de falsários. Os que levamos a sério o compromisso de organizar um desenvolvimento baseado na democratização das oportunidades para aprender, trabalhar e produzir temos agora de começar tudo de novo e formar novos instrumentos de ação política.
Quando, ao lado de outros, passei a criticar o governo recém-empossado e a propor caminhos diferentes, nem um início de debate vi surgir. A resposta foi plantar nas colunas de fofocas dos jornais (uma criação original, irresponsável e amesquinhadora do nosso jornalismo) a informação de que eu quisera fazer parte do governo. E, de fato, num primeiro momento, teria adorado trabalhar num governo de que imaginava poder vir reorientação nacional.
O que faz substituir a discussão pela desqualificação, e nos impede de acender as luzes no Brasil, não é a vilania; é a pequenez. O traço moral e psicológico mais constante nos brasileiros, generalizado entre todas as classes e entre todos os temperamentos, é o sentimento de ser pequeno. Dele resultam, por exemplo, o culto da esperteza, a subordinação da bondade ao charme e a impaciência com qualquer esforço que não renda benefícios imediatos e tangíveis. Quando passei a conviver com poderosos e ricos no país, surpreendi-me ao descobrir a pouca conta em que, sob o disfarce da vaidade e da arrogância, eles se têm.
Dessa falta de fé e de esperança de cada um em si mesmo advém nossos maiores males. Um indivíduo e um povo podem carecer dos instrumentos de iniciativa -de capital, de educação e até de liberdade. Se, contudo, guardarem intuição de seu próprio engrandecimento, construirão mundos e reconstruirão a si mesmos, ainda que o tenham de fazer em meio a ruínas. Inspirar nos nossos concidadãos a idéia da grandeza deve ser o objetivo supremo de nossa ação pública.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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