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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A fonte moral da reação
Neste espaço , trato quase sempre de alternativa para o Brasil.
Evito a primeira pessoa do singular; já
basta o espetáculo do narcisismo, que,
entre nós, como em todo o mundo,
acompanha a política como lembrança de nossa queda original. De vez em
quando, porém, convém aproveitar
experiências pessoais para encarar, de
maneira mais direta, problema coletivo. Meu tema hoje é a idéia da grandeza como motivo das ações. A grandeza
nunca é narcisista; credenciando o ardor com o sacrifício, distingue-se pela
entrega da pessoa a uma tarefa exigente, generosa e transformadora. Transformadora tanto da situação quanto
do agente.
Os primeiros passos do governo do
PT só podem provocar tristeza em
qualquer cidadão informado. Sinalizam rendição que, embora defendida
em nome da cautela, não pode trazer
desenvolvimento ou justiça ao país.
Isso não significa que a manutenção
do rumo atual vá quebrar o Brasil: a
quebradeira pode ou não acontecer,
dependendo de um conjunto de circunstâncias externas e internas. Mais
provável é que a nação e o seu governo
continuem afundando na mediocridade.
Para ter a dimensão dessa tragédia, é
preciso lembrar os últimos quarenta
anos. O golpe de 1964 interrompeu
evolução que vinha transformando o
PTB no maior partido brasileiro e no
agente de um trabalhismo que se purgava de suas mazelas. Uma geração de
ditadura foi seguida por outra geração
em que o PT se estabeleceu como
principal força progressista. O Brasil,
tradicionalmente país muito desigual
que crescia, passou a ser país muito
desigual que não cresce. Na chegada
ao poder, depois de tudo isso, os petistas se arriscam a virar bando de perdidos ou de falsários. Os que levamos a
sério o compromisso de organizar um
desenvolvimento baseado na democratização das oportunidades para
aprender, trabalhar e produzir temos
agora de começar tudo de novo e formar novos instrumentos de ação política.
Quando, ao lado de outros, passei a
criticar o governo recém-empossado e
a propor caminhos diferentes, nem
um início de debate vi surgir. A resposta foi plantar nas colunas de fofocas dos jornais (uma criação original,
irresponsável e amesquinhadora do
nosso jornalismo) a informação de
que eu quisera fazer parte do governo.
E, de fato, num primeiro momento,
teria adorado trabalhar num governo
de que imaginava poder vir reorientação nacional.
O que faz substituir a discussão pela
desqualificação, e nos impede de
acender as luzes no Brasil, não é a vilania; é a pequenez. O traço moral e psicológico mais constante nos brasileiros, generalizado entre todas as classes
e entre todos os temperamentos, é o
sentimento de ser pequeno. Dele resultam, por exemplo, o culto da esperteza, a subordinação da bondade ao
charme e a impaciência com qualquer
esforço que não renda benefícios imediatos e tangíveis. Quando passei a
conviver com poderosos e ricos no
país, surpreendi-me ao descobrir a
pouca conta em que, sob o disfarce da
vaidade e da arrogância, eles se têm.
Dessa falta de fé e de esperança de
cada um em si mesmo advém nossos
maiores males. Um indivíduo e um
povo podem carecer dos instrumentos de iniciativa -de capital, de educação e até de liberdade. Se, contudo,
guardarem intuição de seu próprio
engrandecimento, construirão mundos e reconstruirão a si mesmos, ainda que o tenham de fazer em meio a
ruínas. Inspirar nos nossos concidadãos a idéia da grandeza deve ser o objetivo supremo de nossa ação pública.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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