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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As finanças de São Paulo

JOÃO SAYAD

Dois anos atrás, a situação financeira da cidade de São Paulo era a seguinte: R$ 4 bilhões em precatórios atrasados, mais R$ 4 bilhões em esqueletos, 13% da receita comprometida com o acordo com a União, atrasos de pagamento de até dez meses, disponibilidade de caixa para três dias de dispêndio, contratos de emergência em toda a administração, desperdício em contratos superfaturados, calote nas concessionárias de serviço público, guerra fiscal no ISS em toda a região metropolitana, atraso tecnológico na fiscalização, execução orçamentária (ainda usavam computadores 486), ausência completa de fiscalização eletrônica de contribuintes e sistema tributário socialmente injusto e juridicamente questionável. Tudo isso na cidade de São Paulo, onde o número de desempregados havia aumentado em 1 milhão nos últimos oito anos.
No ano passado, conseguimos colocar os pagamentos em dia, renegociar os atrasados com os sindicatos de fornecedores, renegociar quase todos os contratos, com economia de cerca de R$ 1 bilhão, aumentar a disponibilidade de caixa para 45 dias de dispêndio (o que gera uma receita adicional de aplicação financeira de cerca de R$ 400 milhões em quatro anos), retomar o pagamento dos precatórios, retomar o pagamento das concessionárias (não se pagava iluminação pública havia cinco anos), honrar o acordo com a União, promover as licitações e iniciar a reforma tributária, começando pelos tributos imobiliários (IPTU e ITBI).
No caso do IPTU, foi introduzido, com amparo constitucional, o princípio da progressividade, o que permitiu isentar cerca de 1 milhão de contribuintes e reduzir a alíquota para outros 800 mil, além da isenção de ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) para imóveis residenciais de até R$ 30 mil.
O orçamento das empresas municipais, que era de R$ 1,2 bilhão em 1999, passou a ser de R$ 500 milhões em 2003. Houve também economias expressivas na limpeza urbana, no Leve Leite, em aluguéis (contribuiu para esse caso a mudança de algumas secretarias para o centro), em vigilância, em limpeza de interiores etc.
No segundo ano da atual administração, era necessário ir além -tratava-se de recuperar a capacidade de investimento da cidade para enfrentar velhos e novos problemas: a ampliação da rede de iluminação pública, o déficit de vagas nas escolas e creches, a evasão escolar (programa de construção de 45 Centros Educacionais Unificados, que abrem grandes clareiras de espaço público na periferia congestionada da cidade, com teatro, centro esportivo, biblioteca e salas de aula, além de mais cem escolas, do programa de renda mínima para 182 mil famílias, do transporte escolar, do material, do uniforme, da merenda de qualidade etc.), implementação do Programa Saúde da Família (PSF), a construção de novos aterros sanitários (já que os atuais têm vida útil de cinco anos), a melhoria das condições da malha viária para a implantação do novo sistema de transporte, além de retomar ou aprofundar os programas de habitação, de combate à exclusão (Bolsa-Trabalho, Começar de Novo etc.), de combate a enchentes (novos piscinões), de desenvolvimento local (Banco do Povo e Economia Solidária), de segurança, de cultura e de esportes.


A atual administração entregará a cidade com um ajuste duradouro nas receitas municipais e com mais justiça social


Na área tributária, tivemos grande vitória na questão do combate à sonegação disfarçada como guerra fiscal. Aprovamos emenda constitucional que estabelece alíquota mínima de ISS de 2% no território nacional; aprovamos, na Câmara dos Deputados, lei complementar que dirime finalmente as disputas judiciais sobre o local do recolhimento do tributo, cabendo ao Senado sacramentá-la; aprovamos lei municipal que diminui a alíquota de vários serviços, entre os quais, saúde, educação e habitação popular. Introduzimos a Declaração Eletrônica de Serviços (DES), que obriga qualquer empresa instalada em São Paulo a declarar, via internet, todos os serviços prestados e/ou tomados na cidade, o que permitirá, pela primeira vez, a ação fiscalizadora eletrônica inteligente.
Substituímos a TLIF, considerada inconstitucional, pela TFE (incorporando os serviços de vigilância sanitária, finalmente municipalizados). Instituímos a Cosip (que vai garantir, em primeiro lugar, o pagamento, que não era feito, dos serviços de iluminação pública e, em segundo lugar, a ampliação e melhoria da rede) e a taxa do lixo (que permitirá a licitação da concessão do serviço de coleta de lixo).
São Paulo será a única cidade do país que cobrará pelo lixo efetivamente produzido pela unidade geradora (sistema de autodeclaração, inédito no país), sem se valer de critérios como metro quadrado de área construída ou metro cúbico de água consumida, como se faz habitualmente em outros municípios.
Essa sistemática, própria de países desenvolvidos, permitirá que, num futuro próximo, o contribuinte que aderir à coleta seletiva tenha o benefício da isenção ou da redução da taxa. Essa taxa tem o valor de R$ 6 por mês para a maioria dos contribuintes residenciais da cidade, valor menor do que o pedágio pago para uma viagem de fim de semana a Santos e igual à tarifa bancária do licenciamento de veículos.
Além disso, cobrar o serviço do lixo significa economia de impostos pagos pelos paulistanos, pois, para pagar R$ 1 de despesa de lixo, precisamos de R$ 4 de impostos gerais como o IPTU e o ISS -afinal, os recursos desses impostos são gastos, por força da Constituição, com educação, saúde e pagamento da divida.
Apesar disso, em 2003, o orçamento per capita continua menor do que o de outros municípios, como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. Contudo a atual administração entregará a cidade com um ajuste duradouro nas receitas e nas despesas municipais, sem desprezo pela questão da justiça social e tributária. Hoje, em São Paulo, há um número maior de cidadãos que pagam menos tributos do que cidadãos que pagam mais, e os recursos foram direcionados para os que mais necessitam, tanto do ponto de vista do custeio como do investimento.

João Sayad, 57, doutor em economia pela Universidade de Yale (EUA), é secretário de Finanças e Desenvolvimento da Prefeitura de São Paulo. Foi ministro do Planejamento (governo Sarney).



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