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TENDÊNCIAS/DEBATES
Brasil, nação evanescente?
CARLOS LESSA
Nossos cérebros cada vez mais vão para o exterior. Estamos nos convertendo num país de emigração
A NAÇÃO tem uma leitura de seu
passado pela história oficial,
tem seu alicerce cultural no
idioma e, por vezes, um projeto de futuro desejado. Sem a esperança nesse
futuro, o presente esmaga, com suas
misérias, e a leitura oficial do passado
sugere vacuidade de mentira.
É importante cotejar o Brasil-nação de hoje por essas dimensões. A
história oficial não foi objeto de entusiasmo popular -afinal, o Brasil preservou a escravidão até a República.
Nosso projeto de futuro surgiu na
década de 20 e foi alavancado pelo Estado Novo, a partir da crise de 29.
O nacional-desenvolvimentismo
formulou um projeto de desenvolvimento pela industrialização e de modernização social pela urbanização e
valorização dos sujeitos do desenvolvimento: o operário e o empresário.
Esse projeto conduziu o Brasil ao
salto siderúrgico, à campanha do "Petróleo é nosso", ao Plano de Metas dos
anos 50, à implantação de Brasília e à
hipertrofia autoritária do Brasil-potência. O nacional-desenvolvimentismo brasileiro foi conservador em relação ao campo, mas apostou que a
urbanização faria a mudança a partir
das metrópoles.
O movimento pela democratização
converge na Constituição de 1988. O
trabalhismo foi preservado e aperfeiçoado em 88, tendo o seguro-desemprego como principal inovação. O direito ao trabalho é seu corolário.
Em 1988, como principal nova dimensão do projeto brasileiro, consolida-se o compromisso com a questão
social. O conceito de seguridade social consagrado pelos constituintes
estabelece estas diretivas:
- Todo brasileiro, ao encerrar sua
vida laboral, tem direito a uma aposentadoria ou pensão digna que seja
equivalente ao padrão de que desfrutou durante seu período de vida ativa.
Essa diretiva foi estendida aos brasileiros que não contribuíram para a
Previdência, com pensão assegurada
aos maiores de 65 anos, o que beneficiou sobretudo o trabalhador rural.
Hoje, todo brasileiro com mais de 60
anos tem acesso a esse benefício.
- O direito à vida com a preservação
da saúde foi enfatizado, em 1988, com
o preceito "a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado".
- A seguridade social brasileira protege os grupos mais frágeis, como os
portadores de deficiências graves.
A Previdência Social, a saúde pública e a assistência social formariam o
orçamento de seguridade, radicalmente diferente do fiscal. Pelo conceito de 1988, a execução fiscal estaria
subordinada às prioridades da seguridade social.
Em 88, não foi abandonado o projeto de nacional-desenvolvimento. Era
clara, para o constituinte, a necessidade de preservar o crescimento econômico dando-lhe prioridade social.
Em 2008, a Constituição está mutilada. Foi varrido o projeto nacional-desenvolvimentista. O orçamento de
seguridade social não foi implantado
segundo o preceito constitucional. A
Previdência é acusada de deficitária,
os padrões da saúde pública pioraram
e a assistência social foi substituída
por transferências de renda (sou favorável ao Bolsa Família, mas considero superior, como proteção social,
o benefício da pensão continuada).
Dado o nível de desemprego e a mediocridade do crescimento da economia nos últimos 25 anos, houve um
inequívoco debilitamento sindical.
Nas últimas décadas, o dinamismo
produtivo se restringiu ao setor agropecuário. A estrutura industrial retrocedeu em relação aos padrões passados e o Brasil perdeu posições no
mundo. O segmento financeiro cresceu aceleradamente em relação à economia estagnada.
A desnacionalização é assustadora.
Quase 50% da indústria brasileira já é
de filiais estrangeiras. Os poucos grupos nacionais fortes estão investindo
no exterior. A agropecuária é abastecida com insumos quase sempre produzidos por filiais estrangeiras.
No setor bancário, um banco estrangeiro disputa a primeira colocação. A infra-estrutura vai sendo
transferida para concessionários privados. Na Bolsa de Nova York, são negociadas mais de 30 companhias brasileiras, e o volume de transações com
essas ações supera a Bovespa.
Nossos cérebros cada vez mais vão
para o exterior. Estamos nos convertendo num país de emigração. Nossos
capitais se refugiam em aplicações no
Caribe. A juventude é mobilizada para o mercado.
A degradação das instituições republicanas, a perda de prestígio do homem público, o repúdio à política como exercício de cidadania guardam
uma relação perversa de realimentação com o cenário supra descrito.
CARLOS LESSA, 71, economista, é professor titular aposentado do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro). Foi reitor da UFRJ (2002) e presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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