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TENDÊNCIAS/DEBATES
Além da estagnação?
MARCELO O. DANTAS
Estamos diante de uma recuperação episódica
ou de fato resgatamos
a capacidade de crescer
de modo sustentado?
EM 2007, o Brasil voltou a crescer.
A taxa de expansão do PIB
(5,4%), embora inferior à de outras economias emergentes, rompeu
importante barreira psicológica. As
projeções para 2008 apontam um aumento do produto interno na faixa
dos 5%. Cabe perguntar: estamos
diante de uma recuperação episódica
ou de fato resgatamos a capacidade de
crescer de modo sustentado?
Nossa história recente ajuda a elucidar a questão. Em 1984-1985, após
três anos de dura recessão, o Brasil esteve a ponto de retomar o desenvolvimento. Tínhamos uma infra-estrutura moderna e uma base industrial renovada. A democracia voltara e, com
ela, a confiança no futuro. O desafio
consistia em superar o nó financeiro
do endividamento externo e interno.
Não era tarefa impossível, mas uma
mistura de oportunismo político e soberba heterodoxa (manipulação do
congelamento de preços; descontrole
fiscal; desatenção para as variáveis
externas da economia; fé excessiva
em uma economia fechada) levou ao
malogro do Plano Cruzado. O PMDB
venceu as eleições de 1986 e o país
mergulhou na hiperinflação.
Frustração semelhante tornou a
ocorrer após a boa performance de
1994-1995. FHC herdara de seu antecessor uma economia estabilizada e
um país cheio de otimismo. A base governista vinha aprovando todos os
projetos apresentados pelo Planalto.
O Brasil poderia ter retomado o crescimento sustentado de longo prazo.
Novamente, uma conjunção de interesses políticos e "hybris" tecnocrática (abandono das reformas estruturais em prol da reeleição; âncora cambial; juros exorbitantes; cerceamento
do investimento público em infra-estrutura) jogou por terra a oportunidade. As crises externas de 1997-1998
somente contagiaram o Brasil porque, no biênio anterior, o governo do
PSDB fizera apostas equivocadas.
Repetirá o governo Lula os erros
das gestões anteriores? Vejamos. O
crescimento atual deriva destes fatores: 1) forte expansão da demanda externa; 2) aumento do consumo interno (maior salário-mínimo, crédito facilitado à classe média); 3) redução
modesta dos juros nominais; 4) aumento tímido do investimento público (PAC). É uma recuperação de caráter keynesiano, ainda sem a marca do
crescimento endógeno estruturado.
No horizonte, nuvens se acumulam. A turbulência na economia norte-americana ameaça esfriar o ritmo
de expansão da demanda internacional, derrubando os preços das commodities. No plano interno, a carga
tributária atingiu níveis insuportáveis (37% do PIB), minando a capacidade de expansão do setor privado.
O
governo segue investindo pouco e
gastando mal. A infra-estrutura do
país foi sucateada.
Não bastasse isso, o Copom teima
em manter a Selic muito acima das taxas de juros praticadas internacionalmente. Isso atrai fluxos financeiros
especulativos, fomentando uma valorização artificial do real que encarece
nossos produtos e prejudica o exportador. O saldo comercial brasileiro
caiu 67% no primeiro trimestre. O
impacto sobre as transações correntes não tardará. É uma política insensata, que o próprio FMI tem criticado.
Inabaláveis, os ortodoxos do BC decidem elevar a Selic em 0,5%, revertendo a trajetória de queda nominal
dos juros. Supõem que, assim, eliminarão supostas pressões inflacionárias, via desestímulo ao consumo e inviabilização do investimento produtivo. Tal decisão, somada à possível
queda das exportações, terá forte
efeito recessivo. Seu impacto sobre as
contas públicas será devastador. Em
lugar de acalmar os mercados, ela os
tornará ainda mais voláteis.
Fazenda e Planejamento anunciam, entretanto, cortes orçamentários lineares que mascaram o crescimento de gastos politicamente motivados. A medida equivale a trocar
despesas ruins por despesas piores.
Já os economistas do PT sugerem
como remédio o aumento de impostos, desatentos ao imperativo da otimização de recursos escassos. Seu
projeto para a nação consiste em defender o assistencialismo eleitoral,
inchar a máquina pública e festejar os
excessos cometidos pelo MST.
Para seguirmos crescendo, precisamos exorcizar os fantasmas do passado. Se a formação bruta de capital fixo
(13,4% em 2007) não aumentar, o
crescimento atual terá pernas curtas.
Mas, para que os investimentos
avancem, será preciso conter os gastos correntes do governo e reduzir a
carga tributária. Do mesmo modo,
para que os juros internos caiam e o
câmbio encontre seu patamar natural, sem gerar desequilíbrios, o rigor
fiscal terá de ser redobrado. Se queremos ir além da estagnação, precisamos fazer com que o Brasil produtivo
se imponha ao Brasil improdutivo.
MARCELO OTÁVIO DANTAS, 44, é escritor e diplomata
de carreira. Formado em ciências econômicas pela UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), chefia a Divisão
de Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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