São Paulo, quinta, 18 de junho de 1998

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A quadratura do círculo



Lula não será um FHC social porque para tal teria que assumir o Real, as privatizações e as reformas
FRANCISCO C. WEFFORT

Eleições têm, às vezes, o efeito surpreendente de aproximar adversários. Não me refiro a pessoas, mas a idéias. Foi assim em 1994, com Fernando Henrique e Lula, ambos convergindo nas propostas no mesmo ritmo em que se confrontavam nas pesquisas. Isso levou Lula à curiosa acusação de que Fernando Henrique havia "plagiado" partes de seu programa agrário.
Quanto mais se acirra a luta eleitoral, mais se aproximam as idéias, pela simples razão de que o candidato do partido X só pode vencer se conquistar eleitores do partido Y. E vice-versa.
Por isso eu achei estranho quando alguns dirigentes do PT disseram que Lula não tinha por que se manifestar sobre temas econômicos: se Tony Blair e Lionel Jospin não explicitaram suas políticas econômicas antes das eleições na Inglaterra e na França, por que haveria Lula de fazê-lo aqui?
Alguém já observou que o problema de Lula em face dos temas econômicos tem como contrapartida o de Fernando Henrique sobre os temas sociais. É bem verdade que Fernando Henrique não tem se recusado a tratar de questões sociais. Melhor assim, porque tão ingênuo (e desastroso) quanto o fato de Lula não falar de economia seria o de Fernando Henrique recusar-se a discutir temas sociais. Se caiu nas pesquisas por causa de problemas como emprego, aposentadoria, seca e saques, seu primeiro objetivo daqui para diante deverá ser o de mostrar que a sua política econômica permite encarar os temas sociais com perspectivas de êxito.
Quem leu o livro de Fernando Henrique com Roberto Pompeu de Toledo, "O Presidente segundo o Sociólogo", sabe que será assim. Ele tem chamado a atenção para os efeitos sociais da sua política econômica, a começar pelo Plano Real, que, diferentemente do que se pensou no Brasil durante décadas a respeito dos planos de estabilização, foi também um plano de distribuição de renda.
Os temas da educação e da reforma agrária apontam para o mesmo sentido, embora mais controvertidos na mídia. É fácil prever que, na campanha eleitoral, Fernando Henrique buscará mostrar que é possível aumentar a escala desses benefícios.
Como ele mesmo disse, trata-se de fazer do Brasil um país menos injusto. O que não é fácil. Mas, se o caminho do econômico ao social é difícil, pior ainda o caminho inverso. Se Tony Blair vale como exemplo, há que se lembrar que ele só apareceu como uma renovação social em face de Margaret Thatcher depois que o Partido Trabalhista renovou inteiramente as suas idéias econômicas. Só chegou à vitória contra Major porque aceitou as novas realidades da economia, parte delas criadas por Thatcher.
Em recente entrevista, um dirigente petista afirmou que se Lula vier a ser eleito não seria um Fernando Henrique social, isto é, mudaria o atual programa econômico em vez de apenas acrescentar-lhe novas dimensões sociais. Nessa equação, encontra-se todo o problema. O êxito de Lula na política é o do crescimento do protesto social. Aí está a raiz maior dos seus votos. Mas será o bastante para conseguir a maioria que lhe permita vencer e governar?
A verdade é que o atual governo estabeleceu as bases econômicas e institucionais de uma nova época na história brasileira, quaisquer que sejam as suas limitações em face dos problemas sociais. Nesta época, só criará as perspectivas de um novo governo quem for capaz de assumir aquelas novas bases econômicas e institucionais. Estabilização: pode alguém tolerar a idéia de uma volta aos tempos da inflação? Privatizações: apesar das opiniões de Brizola, é possível (se fosse desejável) uma volta ao estatismo? Previdência: sem reforma, quem vai pagar as aposentadorias daqui a alguns anos? Estado: sem reforma, como dar eficiência a uma administração prejudicada pelo corporativismo e pelo clientelismo?
Não basta protestar, é preciso dizer como se pretende governar. E governar é, em parte, pelo menos, definir as bases sobre as quais se pretende atender as reivindicações que inspiram os protestos. Lula não será um Fernando Henrique social porque para tal teria que assumir o Plano Real, as privatizações e as reformas, para, a partir dessas bases, formular a sua política social.
A oscilação de Lula entre o líder de protestos sociais e o aspirante a estadista não é apenas um estilo de personalidade. É expressão de uma situação real. Tem sido esse o seu papel na política brasileira, e continuará sendo assim por muito tempo. Sua maior diferença com Fernando Henrique não é que este é um grande intelectual e ele um grande sindicalista. Para voltar aos seus termos de 1994, a diferença maior é que, partindo do econômico, Fernando Henrique pode "plagiar" Lula no social, e Lula, partindo do protesto social, não pode (não quer) "plagiar" Fernando Henrique no econômico. Se tivermos um Fernando Henrique social -faço votos-, será o próprio Fernando Henrique em seu novo governo.

Francisco Correa Weffort, 61, doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), é ministro da Cultura. É autor de "Qual Democracia?" (Companhia das Letras, 1992), entre outros livros.



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