São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Fantasma do centrão

Ao contrário das duas eleições presidenciais anteriores, decididas em primeiro turno, a campanha deste ano tem sido marcada por surpresas. Primeiro foi a irrupção da candidatura de Roseana Sarney, seguida de sua derrocada. O crescimento de Serra chegou a sugerir um desenlace mais previsível -entre Lula e o candidato do governo.
Mas logo apareceu nova surpresa, com o isolamento de Ciro Gomes na segunda posição das pesquisas. Ao cenário sombrio, pelo lado da economia, corresponde esse ambiente político-eleitoral neurastênico, numa campanha até aqui notável pelo frequente sobe-e-desce. A pré-campanha começou cedo demais, e o eleitorado ainda está alheio ao assunto.
Uma nova pergunta ocupa, agora, as atenções do mercado político: a posição de Ciro vai se cristalizar ou ela é mais um surto passageiro numa eleição até aqui cheia deles? Vai demorar ao menos algumas semanas para que isso comece a ficar claro. Já está em curso, enquanto isso, uma contra-ofensiva das forças do governo para pôr ordem na casa.
Víamos na postulação de Ciro uma aventura alternativa, respaldada por pequena fração tucana e pelo que restou da esquerda não-petista. Isso mudou. Seu "arco de alianças" já compreende metade do PFL, o grupo de Tasso Jereissati e um amontoado de dissidências regionais. O empresariado começa a nutrir simpático interesse pelo candidato.
Ao mesmo tempo em que ganha volume, sua candidatura perde nitidez. Tal efeito depende menos de sua disposição pessoal, de feitio combativo, do que dos dois mecanismos que vêm mantendo o centro de gravidade da política brasileira no centro-direita desde a redemocratização, já faz 17 anos. O predomínio tucano é resultado deles.
O primeiro foi a introdução do segundo turno pela Constituição de 88. A pretexto de ampliar a legitimidade do eleito, seu propósito era alijar do poder real certas "anormalidades" nas duas franjas do sistema político: o PT de um lado e o populismo de direita, à la Maluf, de outro. Vence as eleições um "centrão" amorfo, pesado de adesões.
O outro mecanismo é a autocomplacência do sistema político, livre de normas capazes de compelir à formação de identidades partidárias e maiorias estáveis. O Congresso se torna balcão de negócios a cada votação importante para o governo, o qual aceita, aliás de bom grado, esse sistema de apoios capilares que não o faz refém de nenhum partido.
Quem inaugurou o estilo, ao menos na época atual, foi Tancredo Neves, em 85, com sua coligação que ia da direita à esquerda. Desde então não houve presidente que não procurasse manter o seu "centrão", sempre indócil em momentos de impopularidade, mas manejável no restante do tempo. Fernando Henrique foi exímio praticante dessa arte.
Luís Nassif fez ontem uma outra leitura dos defeitos de Serra como sendo suas qualidades. Argumentou que uma das dificuldades do candidato tucano é a convicção, por parte do sistema político, de que ele é refratário à formação de bloco tão amplo e diluído, apto a desfigurar seu governo. Veremos agora se isso vale para Ciro.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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