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TENDÊNCIAS/DEBATES
Democracia, atentados e imigração
JOAQUIM FALCÃO
Em poucos meses, dois atentados a
líderes políticos na Europa: o assassinato de Pim Fortuyn, líder do partido
Lijst Fortuyn, na Holanda, e o atentado
ao presidente Chirac, na França. Em
ambos, motivações de extrema direita.
A principal bandeira da extrema direita é a guerra ao imigrante. O que está
em jogo, porém, é mais grave e fundamental. Está em jogo a regra da maioria,
como regra que estrutura a cidadania, a
democracia, a sociedade enfim. É fácil
perceber. Os indicadores demográficos
são cada dia mais evidentes.
Em uma década, as principais cidades
da Holanda, Amsterdã, Roterdã e
Utrecht, terão maioria de imigrantes como habitantes. Antes disso, algumas cidades inglesas já terão maioria de moradores imigrantes. Cerca de 70% das escolas em Nova York são frequentadas
por alunos oriundos de lares latinos. Ou
seja, em pouco tempo os latinos transformam Nova York em Miami, onde o
espanhol já domina e o eleitorado latino
é determinante. Capaz de eleger o presidente dos Estados Unidos, como vimos.
Nos Estados de fronteira com o México, Califórnia sobretudo, a imigração e a
correlata tomada do poder pelos imigrantes avança celeremente. A manter a
regra da maioria, em menos de 40 anos
a democracia vai transferir o poder dos
brancos europeus e dos brancos norte-americanos para os novos eleitores: negros, amarelos e mestiços.
Evitar esse futuro provável é o objetivo comum dos principais partidos políticos do Primeiro Mundo. A partir daí,
abrem-se dois caminhos. O da extrema
direita é a pregação neonazista, a violência, a exclusão "tout court". O dos demais partidos é inventar mecanismos,
criar novas leis -que ora restringem a
cidadania, ora impõem a imigração seletiva e controlada. É o que tentam a Espanha, a Itália e a própria Comunidade
Européia, sem consenso ainda.
Indo contra outro princípio da democracia contemporânea, lema da independência dos próprios Estados Unidos
-"no taxation without representation"
(sem representação política, não pode
haver tributação)-, em alguns países
os imigrantes moram, trabalham, pagam impostos, mas não têm direito ao
voto. São cidadãos de segunda classe.
Cidadãos contribuintes sem liberdade
política, direito humano fundamental.
Iguais nas obrigações, mas não nos direitos. Tudo para evitar a provável
maioria eleitoral.
Obrigam, por exemplo, o cidadão a
morar nove meses trabalhando e pagando imposto no país e o expulsam
temporariamente por três meses, para
que não fique caracterizada a cidadania.
O receituário da exclusão é cada dia
maior e mais falsamente democrático.
Novas leis tentam usar a democracia de
hoje contra a democracia de amanhã.
A verdade é que a economia européia e a norte-americana não sobrevivem sem o trabalho dos imigrantes
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Os argumentos que pretendem legitimar, em nível eleitoral, a política de exclusão são, em geral, dois. Primeiro, reduzem os imigrantes a meros refugiados políticos. Segundo, acusam-nos de
não quererem se integrar no novo país.
Duas meias-verdades. O percentual de
refugiados políticos é importante, mas
insignificante. E, se os imigrantes não se
integram, os brancos não os querem assimilar também.
Os atentados e a ascensão da extrema
direita vão provavelmente crescer, porque os líderes políticos democráticos
não dizem a verdade aos seus eleitores.
A verdade é que a economia européia e
a norte-americana não sobrevivem sem
o trabalho dos imigrantes. Receber imigrantes não é apenas causa humanitária
ou caridade política. É necessidade econômica. Sem eles, as grandes cidades
européias e norte-americanas param.
Sem eles, os brancos vão ganhar um terço do que ganham fazendo o trabalho
que não querem. Suas economias hoje
são dependentes da imigração.
Donde, das duas uma: ou as lideranças européias e norte-americanas começam a falar a verdade a seus eleitores
e, a partir daí, constróem novas soluções, ou a direita avança, destrói a regra
da maioria quando no poder e, com ela,
a democracia.
Quem quer que ganhe nossas eleições
tem que estar preparado para enfrentar
essa questão. O Brasil tem o que dizer.
Sua posição terá peso estratégico no cenário mundial. Em matéria de imigração e democracia, o Primeiro Mundo
parece ser aqui.
Joaquim Falcão, 58, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é diretor da Fundação
Getúlio Vargas-RJ e professor da Faculdade de
Direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro).
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