São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A saúde que anda para a frente

MAURO RICARDO COSTA e JARBAS BARBOSA DA SILVA JR.

É louvável a intenção do dr. Caio Rosenthal de chamar a atenção para a importância das doenças transmissíveis, particularmente para aquelas consideradas "silenciosas", no artigo "A saúde que anda para trás" ("Tendências/Debates, pág. A3, 28/6). No entanto, talvez por desconhecimento dos aspectos epidemiológicos e das ações que estão sendo desenvolvidas, o artigo tem graves erros e distorções.
Os óbitos ocorridos atualmente por doença de Chagas referem-se a pessoas que foram contaminadas há várias décadas, inclusive pelo envelhecimento desses portadores de formas crônicas. A situação presente dessa endemia é altamente elogiosa para o Brasil. Obtivemos, nos últimos dois anos, a certificação internacional de interrupção da transmissão vetorial em oito dos 13 Estados onde ela existia.
Pelos progressos obtidos, ainda neste ano obteremos essa certificação para mais dois Estados -e os três restantes no próximo ano, eliminando a transmissão vetorial da doença de Chagas, que, nos anos 70, infectava cerca de 100 mil pessoas anualmente.
A mortalidade por malária em nosso país foi de 98 pessoas em 2001, o que representou apenas 0,01% do total de mortes ocasionadas por essa doença no mundo. No ano passado, foram registrados 387.330 casos de malária, contra 635.644 em 99. Essa é a maior redução em menor período de tempo de que se tem conhecimento na história de nosso país, o que levou a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) a considerarem o nosso Programa de Controle da Malária um dos mais efetivos do mundo. Neste ano, estabelecemos como meta a redução em 30% do número de casos, em relação a 2001. Até agora, já atingimos cerca de 20% de redução.
Pela melhoria das condições sanitárias e maior acesso ao diagnóstico e tratamento, a esquistossomose teve sua taxa de mortalidade reduzida em 50 % no Nordeste, onde tem maior relevância, entre 1989 e 1999, passando de 1,2 por 100 mil habitantes para 0,6 por 100 mil.
Em relação à leishmaniose visceral, que vem apresentando expansão geográfica, pelo desmatamento e migrações, entre outros fatores, obtivemos uma redução de 33,8% no número de casos no ano de 2001 (2.754), em comparação com 2000 (4.157), e reduzimos o número de óbitos de 151 para 93 nesse mesmo período.


Existe um esforço governamental nunca feito anteriormente para a prevenção e o controle de doenças


Diferentemente do que pensa o autor do artigo, as evidências não apontam para surgimento de epidemias de febre amarela. Vacinamos, nos últimos quatro anos, mais de 60 milhões de pessoas. Em 2002 registramos a ocorrência de apenas sete casos da febre amarela silvestre, que não é erradicável, e nenhum surto. A febre amarela urbana está erradicada no Brasil desde 1942.
Nos últimos anos, o governo federal tem investido cada vez mais no combate à dengue. De 1996 até agora, os recursos federais destinados às ações de combate à dengue totalizam cerca de R$ 2,5 bilhões. Em 2002, será batido o recorde de recursos aplicados no combate à doença. A previsão é chegarmos ao final do ano com R$ 668,7 milhões aplicados no combate à dengue. Neste mês serão anunciadas medidas para evitar a ocorrência de grande número de casos da doença no próximo verão, período de maior reprodução e proliferação do mosquito que transmite a dengue.
Há outras vitórias importantes, como contra o sarampo, doença responsável por cerca de 900 mil mortes anuais de crianças em todo o mundo. O último registro de caso no Brasil ocorreu em novembro de 2000, evidenciando a interrupção da circulação do vírus selvagem da doença no país. Portanto estamos a caminho da erradicação do sarampo.
Outras doenças imunopreveníveis também tiveram redução no Brasil, por intermédio das ações da Funasa (Fundação Nacional de Saúde). A coqueluche, por exemplo, que acometeu 5.388 crianças no ano de 1993, teve 1.177 registros em 1999 e, em 2001, foram 445 casos - uma redução de 62% em relação ao ano anterior. A difteria, que teve registro de 4.646 casos em 1980, foi reduzida para 19 casos em 2001; o tétano acidental, que na década de 90 vitimou, em média, 1.087 pessoas por ano, caiu para 525 casos, em 2000, e 366, em 2001.
Em relação ao saneamento, registramos que apenas no biênio 2001/2002, com o Projeto Alvorada, o governo federal, por intermédio da Funasa, está aplicando R$ 2,7 bilhões em ações de construção e ampliação de sistemas de abastecimento de água, de esgotos e de melhorias sanitárias. Esses recursos são destinados a municípios das áreas de risco de esquistossomose, cólera e outras doenças diarréicas, bem como de alta taxa de mortalidade infantil.
Os resultados aqui apresentados só foram possíveis porque existe um esforço governamental nunca feito anteriormente, em nosso país, para a prevenção e o controle de doenças, exatamente ao contrário do que afirma o dr. Caio Rosenthal.
Como pode ser observado, apesar de grandes desafios ainda existentes, a saúde tem andado para a frente. O que, infelizmente, ainda anda para trás no Brasil são "análises" embasadas por preconceitos e posições políticas, que ignoram completa e deliberadamente todos os dados e as evidências técnicas, não servindo sequer como uma crítica fundamentada que possa ajudar a aperfeiçoar as ações de saúde.


Mauro Ricardo Machado Costa, 40, administrador de empresas, é presidente da Funasa. Jarbas Barbosa da Silva Jr., 45, médico epidemiologista, é diretor do Centro Nacional de Epidemiologia, da Funasa.



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