São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 2005

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ALCINO LEITE NETO

O fim, o recomeço

Depois que esvaziarem ou fecharem a bolsa de Pandora da política brasileira, o PT será apenas uma sigla política como as outras, vagamente reformista, nominalmente à esquerda. As glórias da formação do partido ficarão para os livros de história e os narradores nostálgicos. Os mesmos livros descreverão o desfecho patético do sonho petista e ilustrarão as páginas com o principal trunfo do PT: Lula, o primeiro operário a ocupar a Presidência do Brasil.
Para os romances, ficará a descrição do sentimento de derrota e do choque moral de toda uma geração de militantes e intelectuais de esquerda, que ao longo de 25 anos acreditou que o PT transformaria a vida brasileira.
Não foi o que ocorreu. Uma época terminou na história do país, a do PT afirmativo e destemido, que lutava contra o fisiologismo na política, se mantinha à margem da corrupção endêmica e reunia as esperanças das esquerdas.
Como exercício de governo, a presidência de Lula já está virtualmente encerrada. O ano e meio que lhe resta será gasto na tentativa da reeleição e na gestão de uma crise sem precedentes, em que toda a política institucional brasileira vai sendo colocada em xeque -e aí está um serviço público prestado pelo PT em desgraça.
No salve-se quem puder, críticos petistas tentam distinguir a "banda podre" do partido de seus militantes autênticos, associados aos movimentos sociais. Saem a campo para recordar os princípios do PT e imaginam neutralizar a "direita" do partido, retomando o rumo à esquerda.
No entanto, o chamado campo majoritário do PT foi mais rápido e já se reorganizou para não entregar o poder. Entre os militantes, a perplexidade tomou o lugar da ação, como antes a condescendência com o governo havia prevalecido sobre a crítica.
Ou será que os petistas, cegos pela esperança e pelo poder, não viram para onde tudo isso caminhava? Não terão visto como a burocracia partidária esvaziava paulatinamente a expressão das forças sociais embutidas no PT? Como o fisiologismo se instalava no coração da legenda? Como proliferavam alianças oportunísticas, alheias aos compromissos históricos do partido?
Não houve um passo do governo de Lula manifestamente contrário aos ideais do PT que não recebesse um aval indulgente da inteligência petista -mesmo quando ele estabeleceu relações perigosas com outros partidos, mesmo quando ele se tornou fiel seguidor da política econômica do governo precedente.
Para esta inteligência, era como se tudo devesse ser justificado, como se as ações do governo fossem parte de um momento de transição pelo purgatório neoliberal, antes de o Brasil ascender ao novo socialismo democrático. Em vez disso, o que estava ocorrendo era o ajuste gregário do partido ao velho establishment político.
"O desespero tem a expressão do irrevogável, não porque as coisas não possam de novo tornar-se melhores, mas porque arrasta para seu abismo o próprio passado. Eis por que é tolo e sentimental querer conservar puro o passado diante da torrente de imundícies do presente. Ao passado não resta outra esperança a não ser entregar-se sem defesas à desgraça, para dela ressurgir como algo diferente", escreveu um filósofo alemão.
O epílogo melancólico do sonho petista é o princípio de uma nova era das esquerdas no Brasil.


Alcino Leite Neto é editor de Domingo. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de João Sayad, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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