UOL




São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um exemplo, uma lembrança

RODOLFO KONDER


Ho Chi Minh deixou um exemplo raro de integridade, de habilidade política, de ética e de coragem

Já em 1967 , em plena guerra, dizia-se em Hanói que ele estava mal do coração e tinha câncer. Magro, abatido, Ho Chi Minh enfrentava ainda uma tuberculose crônica que o consumia desde os 24 anos. Mas aquele velho asceta, que ocupava apenas dois quartos modestamente mobiliados do palácio presidencial, dormia numa cama sem colchão, vivia como um monge -sempre de sandálias e sozinho com sua máquina de escrever-, mantinha no armário apenas três túnicas surradas e só comia um punhado de arroz e uma maçã nas refeições, era um símbolo nacional, admirado e respeitado no mundo inteiro.
Filho de um mandarim conhecido por sua respeitável cultura, Ho Chi Minh, "o que ilumina", nasceu em 19 de maio de 1890. Apesar da infância pobre, vivida numa cabana de palha, estudou numa escola de Hué, no sul do Vietnã, e depois trabalhou como professor secundário em Than Tiet. Em 1911, mudou-se para Saigon, onde se registrou como aprendiz de cozinheiro num navio francês. Durante três anos, viajou pelo mundo.
Em 1914, seguiu num cargueiro para Londres, depois para Paris. Foi jardineiro, lavador de pratos, cozinheiro. À noite, lia Tolstói, Shakespeare, Victor Hugo, Anatole France, Émile Zola e Marx. Logo se tornou militante político. Em 1919, começou a escrever no "L" Humanité", jornal do Partido Comunista Francês. Em 1923, já encarregado da Seção Colonial da Juventude Comunista Francesa, foi fazer um curso em Moscou, onde conheceu Lênin, Stálin e Trotski. A partir do 5º Congresso da Internacional, tornou-se figura destacada do movimento comunista mundial.
Em 1945, proclamou a independência do Vietnã e se tornou presidente do país, enfrentando um período difícil, quando combatia as tropas francesas, ao sul, e as forças chinesas de Chiang Kai-shek, ao norte. Em 1946, assinou um acordo com os franceses que tornava o Vietnã parte da União Francesa, controlada por Paris. Mas a paz durou pouco. Ainda em novembro daquele ano, Ho iniciou uma guerra de quase sete anos, que terminou com a derrota dos franceses, em Dien Bien Phu, em maio de 1954. Então, os representantes de oito nações, reunidos em Genebra, dividiram o Vietnã em duas partes: o Vietnã do Norte, liderado por Ho, e o Vietnã do sul, dirigido pelo imperador Bao Daí. Logo, Hanói se envolveria em mais uma guerra: a luta dos guerrilheiros vietcongs, no sul, contra o regime de Saigon. Os Estados Unidos apoiavam o Vietnã do Sul, ocupando o vazio deixado pelos franceses. A partir de 1965, iniciaram os bombardeios militares do Vietnã do Norte.
Ho Chi Minh morreu em 3 de setembro de 1969, quase 34 anos atrás. Não tinha parentes nem herdeiros. Falava fluentemente francês, inglês, alemão, russo e chinês. E era um excelente poeta. Não viu a reunificação do Vietnã, em abril de 1975. Mas deixou um exemplo raro de integridade, de habilidade política, de ética e de coragem. Viveu num tempo em que os líderes mundiais pareciam maiores e mais generosos, porque tinham o tamanho da história.

Rodolfo Konder, 64, jornalista e escritor, é diretor cultural da UniFMU. Foi secretário da Cultura do município de São Paulo (gestão Paulo Maluf e Celso Pitta)


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Jaques Wagner: Abrindo as portas para a cidadania

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.