São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 2006

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Operações em cadeia

Polícia Federal privilegia método de ação que deveria ser alvo de questionamento maduro na campanha eleitoral

COM A ação coordenada de prisões e apreensões batizada de Dilúvio, desfechada anteontem, a Polícia Federal completou a sua 11ª operação em três semanas. Ativismo tão concentrado no tempo e tão próximo do início do período de propaganda política no rádio e na TV tem suscitado reclamações entre os opositores de Luiz Inácio Lula da Silva.
O Ministério da Justiça nega que a PF tenha antecipado operações em razão do calendário eleitoral. O titular da pasta, Márcio Thomaz Bastos, afirma que cada uma dessas investigações tem seu próprio ritmo e que a hora de agir é sempre definida por razões estritamente policiais.
Desde o início da gestão petista, o número de operações da PF vem aumentando fortemente. Em 2003, os agentes cumpriram 21 delas. No ano seguinte, houve 42 operações, cifra que subiu para 118 em 2005. Nem bem completados oito meses do último ano do mandato, a conta de 2006 ultrapassa uma centena.
Essa versão policial do "espetáculo do crescimento" já é um dos principais instrumentos da retórica presidencial para tentar neutralizar ataques dos adversários no campo ético, onde a administração petista naufragou.
O candidato à reeleição -que agiu enquanto pôde para enterrar CPIs, cuja base parlamentar tentou evitar depoimentos e quebras de sigilo inconvenientes ao Planalto, que afirma não saber de nada do escândalo que varreu a cúpula de seu governo e de seu partido- vai dizer que "nunca na história deste país" a Polícia Federal investigou tanto etc.
Quanto mais operações da PF houver perto do período eleitoral, obviamente, melhor para o marketing do despiste adotado pelo presidente-candidato. Tanto pior se alguma evidência concreta de aparelhamento da polícia -uma instituição do Estado, e não de um governo específico- surgir no meio do caminho.
De todo modo, os candidatos à Presidência ficam desde já convidados a elevar o nível da discussão institucional sobre a Polícia Federal e o combate à corrupção -e ao crime, em geral- por ela empreendido. Podem começar exprimindo o que pensam do fato de as ações dos agentes federais estarem hoje praticamente resumidas às "operações".
Das operações se sabe que produzem grande impacto na mídia e que transmitem uma mensagem positiva, de que grupos sociais antes imunes aos rigores da lei vão perdendo esse status anti-republicano. Sabe-se, por outro lado, que tais irrupções policiais têm sido acompanhadas de episódios de abuso da força.
Não é incomum que se critique a ênfase nesse método, em termos de estratégia policial. Enquanto os holofotes estão voltados para as cada vez mais freqüentes operações, a PF ainda falha no exercício de funções básicas, como a de controlar com eficácia as fronteiras. Ainda não está claro, além disso, se as operações que até aqui prenderam mais de 1.800 pessoas estão se traduzindo em processos bem fundamentados na Justiça e, portanto, efetivamente ajudando a combater a impunidade de "colarinho branco" no Brasil.


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