São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 2002

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JOSÉ SARNEY

Quem tem medo de Regina Duarte?

Inédito quiproquó a aparição de Regina Duarte num programa eleitoral, confessando estar com medo. Muitos ficaram com medo dE ela expressar seu medo. Esqueceram nas críticas ser Regina uma atriz e estar em pleno trabalho profissional.
Não acho que deva ser censurada por interpretar um texto que lhe deram, encaixado no contexto de um horário eleitoral. O que se pode dizer é que ela interpretou tão bem o seu papel que transmitiu ao público estar realmente com medo. Exagerou. Vista como atriz, mereceria aplausos, esquecidas as intenções da mensagem alarmista que ela interpretou. O ator é aquele que sabe reconstruir emoções, que passam a ser suas mesmo não sendo suas. Nossa censura, assim, tem outro endereço e se dirige à licitude de usar o instrumento do medo. A arma do medo é desesperada. Mas não é nova na política. Roosevelt, em sua campanha de 1940 para a reeleição, sofreu terrível ataque de seu adversário Wendell Wilkie, que batia na tecla de que ele, Roosevelt, era comunista e iria socializar, com o New Deal, a medicina e tudo. E usaram contra ele aquilo que foi chamado à época "a estratégia do terror".
Ter medo é humano, fazer marketing do medo é desumano porque o transforma de uma manifestação individual numa histeria coletiva.
Roosevelt, de novo, no seu famoso Discurso das Liberdades, incluiu a "liberdade de não ter medo". Bush, antagonicamente, transformou-se no maior violador dessa liberdade, pregando obsessivamente o medo como arma política.
Temos vários medos. O medo bom, justificável, e o medo mau, egoísta e imoral. É o contraste entre o medo do menino da favela, que ouve o tiroteio, as balas atingindo sua casa e o inferno das sirenes no anúncio diário da explícita guerrilha e violência urbana, e o medo do bandido de ser preso pela policia. Há o medo de quem, não tendo medo, usa-o para criar desespero, receio e terror e para destruir a liberdade das pessoas coagidas pelo pânico. Há o medo do especulador na baixa do dólar e o do governo em ter de pagar seus títulos com o dólar na estratosfera. Há o medo jocoso de pessoas que ficam em pânico ao olhar baratas, sapos e ratos. Há o doce e saudoso medo das almas do outro mundo e das assombrações da infância.
Há o medo adulto e desesperado de perder uma eleição. É um medo que se vê menos no coração dos candidatos e mais no rosto das vivandeiras de campanha.
O nosso presidente da República é um homem sem medos -nem dos sem-terra, nem dos sem-teto, nem do protocolo dos s(c)em dias da transição. Há meses, ele, e não Regina Duarte, disse que iríamos "virar uma Argentina", e o medo foi tão grande que virou e explodiu a Bolsa e o dólar. Embora todos queiram negar, existe uma cultura da vaidade discriminatória em alguns setores do Brasil. Não vejo o que temer nesta eleição, disputada entre um torneiro mecânico e um Ph.D, avanço no processo democrático. Quando Samuel ungiu Saul, e o ensinamento está no Livro dos Reis, ressaltou que ele era da menor tribo e da menor casa. "O erro da eleição dos ofícios", dizia Vieira, "é porque se buscam os homens grandes nas casas grandes, e eles estão escondidos nas casas pequenas". Isso não pode ser apontado como "incompetência".
"Governar o Brasil é fácil", palavras de presidente. Mas, por via das dúvidas, o futuro presidente que se prepare para dias não tão fáceis.
Regina Duarte é atriz e das boas. Fez seu papel com o script que lhe deram. Eu não tenho medo do futuro. Tenho otimismo e esperança. Medo mesmo eu tenho do presente passado.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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