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JOSÉ SARNEY
Quem tem medo
de Regina Duarte?
Inédito quiproquó a aparição
de Regina Duarte num programa
eleitoral, confessando estar com medo. Muitos ficaram com medo dE ela
expressar seu medo. Esqueceram nas
críticas ser Regina uma atriz e estar em
pleno trabalho profissional.
Não acho que deva ser censurada
por interpretar um texto que lhe deram, encaixado no contexto de um
horário eleitoral. O que se pode dizer é
que ela interpretou tão bem o seu papel que transmitiu ao público estar
realmente com medo. Exagerou. Vista
como atriz, mereceria aplausos, esquecidas as intenções da mensagem
alarmista que ela interpretou. O ator é
aquele que sabe reconstruir emoções,
que passam a ser suas mesmo não
sendo suas. Nossa censura, assim, tem
outro endereço e se dirige à licitude de
usar o instrumento do medo. A arma
do medo é desesperada. Mas não é nova na política. Roosevelt, em sua campanha de 1940 para a reeleição, sofreu
terrível ataque de seu adversário Wendell Wilkie, que batia na tecla de que
ele, Roosevelt, era comunista e iria socializar, com o New Deal, a medicina e
tudo. E usaram contra ele aquilo que
foi chamado à época "a estratégia do
terror".
Ter medo é humano, fazer marketing do medo é desumano porque o
transforma de uma manifestação individual numa histeria coletiva.
Roosevelt, de novo, no seu famoso
Discurso das Liberdades, incluiu a "liberdade de não ter medo". Bush, antagonicamente, transformou-se no
maior violador dessa liberdade, pregando obsessivamente o medo como
arma política.
Temos vários medos. O medo bom,
justificável, e o medo mau, egoísta e
imoral. É o contraste entre o medo do
menino da favela, que ouve o tiroteio,
as balas atingindo sua casa e o inferno
das sirenes no anúncio diário da explícita guerrilha e violência urbana, e
o medo do bandido de ser preso pela
policia. Há o medo de quem, não tendo medo, usa-o para criar desespero,
receio e terror e para destruir a liberdade das pessoas coagidas pelo pânico. Há o medo do especulador na baixa do dólar e o do governo em ter de
pagar seus títulos com o dólar na estratosfera. Há o medo jocoso de pessoas que ficam em pânico ao olhar baratas, sapos e ratos. Há o doce e saudoso medo das almas do outro mundo e das assombrações da infância.
Há o medo adulto e desesperado de
perder uma eleição. É um medo que
se vê menos no coração dos candidatos e mais no rosto das vivandeiras de
campanha.
O nosso presidente da República é
um homem sem medos -nem dos
sem-terra, nem dos sem-teto, nem do
protocolo dos s(c)em dias da transição. Há meses, ele, e não Regina
Duarte, disse que iríamos "virar uma
Argentina", e o medo foi tão grande
que virou e explodiu a Bolsa e o dólar.
Embora todos queiram negar, existe
uma cultura da vaidade discriminatória em alguns setores do Brasil. Não
vejo o que temer nesta eleição, disputada entre um torneiro mecânico e
um Ph.D, avanço no processo democrático. Quando Samuel ungiu Saul, e
o ensinamento está no Livro dos Reis,
ressaltou que ele era da menor tribo e
da menor casa. "O erro da eleição dos
ofícios", dizia Vieira, "é porque se
buscam os homens grandes nas casas
grandes, e eles estão escondidos nas
casas pequenas". Isso não pode ser
apontado como "incompetência".
"Governar o Brasil é fácil", palavras
de presidente. Mas, por via das dúvidas, o futuro presidente que se prepare para dias não tão fáceis.
Regina Duarte é atriz e das boas. Fez
seu papel com o script que lhe deram.
Eu não tenho medo do futuro. Tenho
otimismo e esperança. Medo mesmo
eu tenho do presente passado.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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