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CLÓVIS ROSSI
O sonho do caixeiro-viajante
BUENOS AIRES- Luiz Inácio Lula da
Silva põe sob o braço um sonho, o da
integração sul-americana, e sai por
aí vendendo-o. Não há discurso, nas
muitas viagens do presidente ao exterior, em que ele deixe de falar do sonho. E com tão crescente paixão, que,
no Congresso argentino, anteontem,
chegou a enxergar "o embrião de
uma nação sul-americana".
Não é uma mudança desprezível
em um país que viveu a maior parte
de sua história de costas para os vizinhos, olhando primeiro para a Europa e, mais recentemente, para os Estados Unidos.
O sonho da integração era sonhado
em espanhol, por ícones como José de
San Martín e Simon Bolívar, não em
português.
É verdade que os rudimentos do
projeto sul-americano começaram
no governo Itamar Franco (não por
acaso o chanceler era o mesmo de
agora, Celso Amorim). É também
verdade que ganharam algum impulso na gestão Fernando Henrique.
Mas foi com Lula que a idéia tomou velocidade. Mais que isso: o governo assumiu a tese, inexorável, de
que liderar o projeto sul-americano
implica arcar com custos, até porque
no mundo moderno não há almoço
gratuito (talvez no mundo antigo
também não houvesse, mas fingia-se
que, pelo menos, sonhar era de graça).
Integração sem pontes, aeroportos,
telecomunicações, energia não é integração, costuma dizer Lula nessa sua
vida de caixeiro-viajante do sonho
integracionista.
O problema é que, como lembrou
na quinta-feira seu colega argentino
Néstor Kirchner, "a integração tem
que ter sustentabilidade interna". Ou
seja, economias capengas como são
(ou estão) a da Argentina e a do Brasil não são exatamente alicerces sólidos para a integração.
A menos que os dois presidentes resolvam fazer da construção externa
um elemento auxiliar da reconstrução interna.
Fácil não é. Mas tantos sonhos foram sonhados neste canto do mundo
que, de repente, um deles cola.
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