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São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2003

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ÁRABES E DEMOCRACIA

Numa iniciativa excepcional, sauditas saíram às ruas de Riad para pedir democracia. Como era previsível, foram recebidos a golpes de cassetete e gás lacrimogêneo. Seja como for, a monarquia saudita já sinalizou com avanços. Prometeu que a população poderá votar pela primeira vez no ano que vem. Foi-lhe concedido o direito de escolher a metade dos vereadores das 14 câmaras municipais. A outra metade será indicada pelo governo.
Não é exatamente uma novidade afirmar que a democracia é quase uma ficção no mundo árabe. E não o é porque o conceito de democracia não signifique nada por lá. Pelo contrário, os dirigentes se importam -talvez até exageradamente- em parecer democráticos. Seus líderes frequentemente reclamam terem sido eleitos com índices expressivos: Saddam Hussein, o epígono da popularidade, obteve 100% dos votos em 2002; mais modesto, o antigo presidente Hafez al Assad, da Síria, conseguia maiorias de 95%.
O acinte se repete mesmo em países que parecem mais democráticos. Em 2002, o presidente Zin el Abidin Ben Ali, da Tunísia, ficou com 99,52%, vitória ligeiramente superior à última de Hosni Mubarak, do Egito, com 93,8% dos votos em 1999.
A verdade é que, embora no Ocidente esclarecido a democracia seja percebida como um valor universal, ela está muito longe de sê-lo. Ninguém de bom senso cogitaria, por exemplo, de intervir numa aldeia ianomâmi para levar a democracia aos índios. Nesse caso, é evidente que a autodeterminação ianomâmi, seus usos e costumes, devem ser respeitados. Por outro lado, parece fazer sentido reclamar eleições diretas e transparentes numa nação como a China ou num país como Cuba.
Até que ponto a autodeterminação deve ser respeitada? A partir de que grau de urbanidade e desenvolvimento -ou de ocidentalização- a democracia se torna um imperativo? Essas perguntas não têm respostas triviais. Muito pelo contrário, elas nos remetem a novas e mais embaraçosas questões. Se os países árabes já estão prontos para que deles se exija uma democracia real, por que o Ocidente apoiou quase que maciçamente o golpe da Argélia de 1992, quando o governo laico impediu que os fundamentalistas que haviam vencido as eleições assumissem seus postos?
No fundo, vale a célebre observação do estadista britânico Winston Churchill: "A democracia é a pior forma de governo exceto todas as outras que foram experimentadas de tempos em tempos". Não devemos, portanto, glamorizá-la, mas apenas preconizá-la como remédio contra governos ainda piores. E é certo que os países árabes seriam beneficiados com sua adoção.


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