São Paulo, quinta, 18 de dezembro de 1997.



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Uma questão de imagem

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Se há uma coisa que temo é quando alguém do governo (de qualquer governo) ameaça tomar providências. Leio nas folhas que um órgão, não sei se do Itamaraty ou de outra repartição equivalente, pretende distribuir material de propaganda no exterior, mostrando nossas virtudes e belezas raras, desde as asas das borboletas azuis (límpidas cascatas, verdes matas etc.) até as produções culturais do tropicalismo, a beleza da voz anasalada do Milton Nascimento, essas coisas.
Sou a favor de tudo isso, mas acho que não resolve. Nossa imagem no exterior é poleiro de galinha, nunca foi pior, nem mesmo no tempo do autoritarismo militar e da tortura. Naquele tempo, o mundo lamentava que um país como o Brasil vivesse sob um regime cruel. Mas o brasileiro, como homem médio, como ser humano comum e oprimido, era simpatizado.
Hoje, o negócio é diferente. Somos arrolados como depredadores do meio ambiente, chacinadores de crianças e mendigos, corruptos, trambiqueiros. Meses atrás, quando houve aquele caso do Ronaldinho com o Barcelona, a imprensa européia não caiu em cima do jogador. Caiu em cima do brasileiro como povo inconfiável, capaz de bons dribles em campo, mas indigno de ser levado a sério.
Até mesmo um produto que, entusiasticamente, apreciam lá fora (o bumbum de nossas mulatas), passou a ter uma explicação sórdida, na base da função que faz o órgão. E a turma séria, que despreza esses detalhes banais, fica escandalizada com a nossa concentração de renda, a indigência mental de nossas elites etc.
Para desmanchar essa imagem (que nem sempre é merecida), não adianta o governo mandar para o exterior mil postais do Cristo Redentor, a foto do túmulo do Betinho coberto de flores ou o último CD do Caetano Veloso. O buraco é mesmo mais em cima.



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