UOL




São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OTAVIO FRIAS FILHO

Oposição às cegas

O caráter algo esquizofrênico da oposição do governo Lula é o resultado combinado da falta de tradição doutrinária dos partidos brasileiros e da acelerada conversão ideológica do setor hegemônico no PT. Tal combinação de fatores gerou resultados engraçados e quase impensáveis há um ano, como se apoio e oposição tivessem trocado de lugar.
No início do governo, a lógica política fazia prever que a administração petista teria respaldo nas forças situadas desde o centro até a esquerda do espectro político. E que a oposição viria do campo contrário, também a partir do centro para se estender ao longo das diferentes gradações da direita. Mas a política local tem razões que a própria razão desconhece...
Que o núcleo dirigente do partido havia se deslocado para o centro, por razões de pragmatismo eleitoral, todo mundo já sabia. O que não se imaginava, no início do atual governo, é que essa conversão fora estratégica, mais do que meramente tática. Nem que ela havia sido profunda a ponto de produzir uma gestão vista como prosseguimento do período FHC.
Essa guinada conduziu a uma situação irônica. Cada vez mais a oposição ao governo provém da esquerda, inconformada com a manutenção dos parâmetros ortodoxos na macroeconomia, com a política de cortes nos gastos públicos e com as práticas que tornam o governo do PT parecido com o figurino tradicional. Fossilizada no dogmatismo ideológico, à esquerda restará reclamar e resistir.
Nada muito diferente, aliás, do que a esquerda tem feito nos últimos anos. Mais interessante é a condição em que se encontram as forças de direita, agradavelmente surpresas com o "novo PT". A face partidária da direita está agora às voltas com a difícil tarefa de fazer oposição a um governo que endossa suas teses principais, de combater uma administração que a imita.
Como não há divergências de fundo programático, o discurso que restou à direita é pregar que o governo, mesmo tendo feito as opções corretas, as gerencia mal. E que, por trás da conversão ideológica do PT, está um projeto que nada mais tem de doutrinário, mas se resumiria a preservar e a ampliar o exercício do poder pelo poder.
Claro que esse esquema tem muito de abstrato. Na prática, o maior, o mais antigo e o verdadeiro partido dominante na política brasileira -o bloco que apóia qualquer governo, sobretudo quando ele ainda está forte- é que fornece a base de sustentação de Lula na Câmara e no Senado. São quase os mesmos que apoiaram Sarney, Collor, FHC: uma espécie de PMDB ampliado.
E o que acontece na sociedade? Os empresários estão satisfeitos, erguendo estátuas para Palocci e cia. Os bancos continuam a ganhar exorbitâncias numa sociedade em que todos os demais setores perdem. E a população continua acreditando em Lula enquanto não cai a ficha de que as promessas não eram para valer e boas intenções não movem montanhas.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Relíquias do nosso tempo
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.