|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OTAVIO FRIAS FILHO
Oposição às cegas
O caráter algo esquizofrênico
da oposição do governo Lula é o
resultado combinado da falta de tradição doutrinária dos partidos brasileiros e da acelerada conversão ideológica do setor hegemônico no PT. Tal
combinação de fatores gerou resultados engraçados e quase impensáveis
há um ano, como se apoio e oposição
tivessem trocado de lugar.
No início do governo, a lógica política fazia prever que a administração
petista teria respaldo nas forças situadas desde o centro até a esquerda do
espectro político. E que a oposição viria do campo contrário, também a
partir do centro para se estender ao
longo das diferentes gradações da direita. Mas a política local tem razões
que a própria razão desconhece...
Que o núcleo dirigente do partido
havia se deslocado para o centro, por
razões de pragmatismo eleitoral, todo
mundo já sabia. O que não se imaginava, no início do atual governo, é que
essa conversão fora estratégica, mais
do que meramente tática. Nem que ela
havia sido profunda a ponto de produzir uma gestão vista como prosseguimento do período FHC.
Essa guinada conduziu a uma situação irônica. Cada vez mais a oposição
ao governo provém da esquerda, inconformada com a manutenção dos
parâmetros ortodoxos na macroeconomia, com a política de cortes nos
gastos públicos e com as práticas que
tornam o governo do PT parecido
com o figurino tradicional. Fossilizada
no dogmatismo ideológico, à esquerda restará reclamar e resistir.
Nada muito diferente, aliás, do que a
esquerda tem feito nos últimos anos.
Mais interessante é a condição em que
se encontram as forças de direita,
agradavelmente surpresas com o "novo PT". A face partidária da direita está agora às voltas com a difícil tarefa de
fazer oposição a um governo que endossa suas teses principais, de combater uma administração que a imita.
Como não há divergências de fundo
programático, o discurso que restou à
direita é pregar que o governo, mesmo
tendo feito as opções corretas, as gerencia mal. E que, por trás da conversão ideológica do PT, está um projeto
que nada mais tem de doutrinário,
mas se resumiria a preservar e a ampliar o exercício do poder pelo poder.
Claro que esse esquema tem muito
de abstrato. Na prática, o maior, o
mais antigo e o verdadeiro partido dominante na política brasileira -o bloco que apóia qualquer governo, sobretudo quando ele ainda está forte- é
que fornece a base de sustentação de
Lula na Câmara e no Senado. São quase os mesmos que apoiaram Sarney,
Collor, FHC: uma espécie de PMDB
ampliado.
E o que acontece na sociedade? Os
empresários estão satisfeitos, erguendo estátuas para Palocci e cia. Os bancos continuam a ganhar exorbitâncias
numa sociedade em que todos os demais setores perdem. E a população
continua acreditando em Lula enquanto não cai a ficha de que as promessas não eram para valer e boas intenções não movem montanhas.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Relíquias do nosso tempo Próximo Texto: Frases
Índice
|