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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
A bomba do Vadão
O Vadão entrou no ginásio no
ano em que eu estava terminando. Nosso convívio foi curto, mas intenso. Ele era beque (zagueiro) no time em que eu fazia o meio-campo.
Usava e abusava do seu corpão. Fazia
muitos pênaltis. Por pouca coisa, encrencava com o juiz, bandeirinhas, adversários e companheiros. Falava pelos cotovelos. Divertia o "respeitável
público" que comparecia aos campeonatos escolares.
Apesar do seu jeitão agressivo no jogar e áspero no falar, o Vadão era presença certa em toda festa. Era sempre
convidado. Quando não, ele entrava
como penetra, dizendo-se primo do
noivo, sobrinho do aniversariante, neto do sogro do vizinho... Mas, com seu
estilo provocador, era louco para armar uma encrenca para, no meio do
frege, tornar-se mediador.
Fiquei anos sem vê-lo. Quando comecei a assistir os treinos no campo
do Corinthians, o isolamento acabou.
Encontrava-o quase toda semana,
sempre do mesmo jeito: elétrico, explosivo e engraçado. Sua paixão era
xingar o juiz com vocábulos e frases
cuja nobreza de estilo, por respeito ao
leitor, não posso revelar.
Na época, fiquei sabendo que trancou a matrícula na segunda série. Foi
ajudar um tio feirante, que tinha banca na região do Brás, Mooca e Belenzinho. Acabou fazendo a "universidade
da vida". De ajudante de feira, saltou
logo para dono de um pequeno açougue; depois para sócio de uma rede de
padarias, e, na semana passada, telefonou-me para dizer que comprou uma
frota de caminhões, colocando-os à
minha disposição para transportar o
que fabrico.
Marcamos um almoço. Foi um papo
delicioso. Quer saber como ele está? O
mesmo! Permanece franco, agressivo,
provocador, direto, emotivo e adorável. Está entusiasmado com a idéia da
bomba atômica. Foi taxativo: "Os países do Primeiro Mundo só vão nos
respeitar quando o Brasil mostrar que
é grande e está bem armado".
Argumentei que os possuidores de
bombas nucleares têm mais problemas do que soluções. Seus povos não
dormem em paz. O Brasil terá de mostrar ao mundo que é uma paragem de
tranquilidade, habitada por gente que
acredita mais no trabalho do que na
guerra. Procurei explicar que até as
usinas nucleares dão dor de cabeça.
São caras para construir, perigosas para operar e difíceis de desativar.
De nada adiantou. Está com a cabeça feita. Além da bomba atômica, ele
quer a pena de morte. Defende as duas
com unhas e dentes.
Interessante... O Vadão é um desses
homens que acredita na estratégia de
usar a morte para garantir a vida. Não
entendo esse raciocínio. Mesmo assim, gosto dele. É uma boa alma. Joga
pesado na palavra, mas é manso no
agir. Continua sendo o beque dos
tempos do ginásio. Grandalhão, desengonçado e desbocado, ele sempre
assustou pelo que dizia, mas nunca
pelo que jogava. É o Vadão. Acho que
não é o único. Ainda bem que seu poder se limita a uma frota de caminhões. Vou "entupi-lo" de trabalho
para que esqueça da pena de morte e
da bomba atômica!
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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