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MÁRIO MAGALHÃES
Crônica gaudéria
RIO DE JANEIRO - Na década de 70, um aluno que se iniciava no então
primeiro grau lia em seu livro de história, numa escola aqui do Rio, sobre
a rebelião gaúcha de 1835 a 45 contra
o poder imperial. O texto era curto,
menção protocolar, rodapé. O bastante para um evento sem relevo.
Ainda por cima, derrotado.
O guri se mudou para o Rio Grande
do Sul. O livro era outro. Com páginas e páginas a louvar a gloriosa Revolução Farroupilha. Os revoltosos-republicanos, levantados contra o
centralismo político e os impostos alfandegários, haviam posto os caramurus-monarquistas no chinelo.
O livro carioca e o do Sul não contavam a verdade. O movimento dos
farrapos teve, sim, larga envergadura
histórica. Mas suas motivações eram
menos as de quem pouco tinha do
que as dos que muito tinham na Província -e queriam ter mais ou, pelo
menos, não ceder demais ao Império.
Eram comerciantes, estancieiros.
Narrada como epopéia, a trajetória
da República Rio-Grandense é peça
de resistência da auto-estima gaudéria (de ""gaudério", cão errante ou
gaúcho rústico). Com o folhetim ""A
Casa das Sete Mulheres" (TV Globo),
andam mais felizes que cusco (cachorro) de cozinheira. Os mocinhos
são os insurgentes de 1835.
A fase da gauchada é boa. O filme
""Houve uma Vez Dois Verões", de
Jorge Furtado, mostra que no Sul do
Brasil se pode fazer comédia romântica adolescente melhor que nos
EUA.
O romance ""Netto Perde Sua Alma" (1995), de Tabajara Ruas, sobre
o crepúsculo do general farrapo Antônio Netto, tem raros à sua altura
na última década. No governo Lula
(da Silva, como Bento Gonçalves da
Silva, líder farroupilha), o Estado fez
três ministros e dois secretários da
Presidência. Na Copa, Felipão e Ronaldinho Gaúcho estouraram.
Antes que fascistóides separatistas
voltem a se excitar, registre-se que o
Rio Grande mantém no essencial a
identidade brasileira. Até no pior, como no barbarismo de matar a chutes
e pedradas um índio caigangue de 77
anos que dormia na rua, como jovens
fizeram neste mês em Miraguaí.
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