São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Política agrária: uma visão histórica

FÁBIO DE SALLES MEIRELLES

Antes de apresentarmos nossa visão sobre a atual política agrária no Brasil, é fundamental que analisemos um de seus capítulos, que é a reforma agrária realizada ao longo dos anos de atividade da agricultura brasileira.
Nossa agricultura nem sempre foi moderna, amparada pelo atual conhecimento científico e pelas tecnologias avançadas que permitem o máximo aproveitamento da terra e o elevado rendimento das culturas. Nos primórdios, quando não existiam insumos modernos, assistência técnica e outras políticas, a atividade era sustentada exclusivamente pela vocação natural do homem do campo, verdadeiro desbravador e sentinela da nação brasileira.
Esse proprietário de terras é que iniciou uma natural e espontânea reforma no sistema agrário, enfatizando a responsabilidade social e a integração profissional com seus parceiros, meeiros e respectivas famílias, desde a colonização de suas áreas. Nas suas terras foram implantadas pequenas vilas, hoje municípios, habitadas pelas famílias dos parceiros e meeiros, as quais recebiam todo o apoio do proprietário, inclusive financeiro. Com o tempo, esses novos agricultores pagavam a terra com o excedente de sua produção. Assim consolidou-se naturalmente uma política agrária progressiva, com a divisão das terras entre os parceiros, meeiros e descendentes do proprietário. Uma bem-sucedida política agrária baseada na vocação do homem na lide com a terra.
Com o passar do tempo, muitos desses agricultores tiveram que abandonar suas áreas, principalmente por dificuldades geradas por novas políticas econômicas, que levaram à perda do poder aquisitivo dos produtores e dos trabalhadores. Além dessa situação, os mais jovens e talentosos eram levados para atuar em obras de infra-estrutura pública. Porém, com o término ou a redução do número de novas obras, esses trabalhadores e seus descendentes passaram a viver, em grande parte, nas atividades urbanas e "rurbanas".
O Brasil precisa se conscientizar de que a questão da terra não deve ser o aspecto predominante da política agrária. Assentar por assentar, distribuir terras apenas por distribuir não gera resultados permanentes e substanciais. Esse tipo de "política agrária", que se restringe à questão da terra, não proporciona desenvolvimento integrado da economia, com geração de empregos e renda, frustrando o futuro de grande parte dos assentados.


Assentar por assentar, distribuir terras apenas por distribuir não gera resultados permanentes e substanciais


Atualmente discute-se muito a distribuição de terras, mas não se presta a devida atenção aos inúmeros entraves existentes à agricultura, que muitas vezes acabam por inviabilizar a manutenção das atividades. O agricultor paga por ser altamente competente na sua atividade. Além das elevadas taxa de juros e carga tributária, da dificuldade de acesso ao crédito rural e do desmantelamento da assistência técnica, os produtores enfrentam exigências descabidas na área ambiental e rígidas na trabalhista. O governo impõe regras em muitos casos abusivas, sobrecarregando os produtores com ônus e obrigações que, na maioria das vezes, são atribuições do poder público.
O país necessita de uma política agrícola e agrária que alcance os produtores dentro de uma visão de unidade para o desenvolvimento harmônico.
O Pronaf pode ser um importante instrumento em benefício do produtor familiar, do trabalhador e do assentado, aplicando a assistência técnica, disponibilizando infra-estrutura e apoio à comercialização do produto.
Fornecer condições básicas à manutenção dos agricultores na atividade é uma questão de justiça e de segurança na geração de emprego e renda e, assim, fortalece o trabalhador. Parece-nos muito mais sensato que se estanque a evasão dos pequenos e micro produtores rurais do campo, dando-lhes condições dignas e suficientes para produzirem e sustentarem suas famílias, antes de dar continuidade a esse modelo que só distribui terras e não resolveu as questões centrais do problema agrário brasileiro.
Atualmente, os distúrbios políticos gerados por movimentos radicais apenas criam dificuldades para a realização de investimentos no setor, que tem sido o sustentáculo das contas externas brasileiras. Em 2003, as exportações do agronegócio foram responsáveis diretas pela totalidade do superávit de US$ 24,8 bilhões da balança comercial do país.
Graças ao nosso Deus, Deus brasileiro, e aos ancestrais que implantaram essa notável agropecuária, possuímos a mais avançada agricultura dos trópicos. O agronegócio, que se iniciou, na minha visão, na década de 20, avançando pelos anos 60, 70 e 80, não teria alcançado os resultados tão fantásticos de hoje sem essa sólida e avançada base produtiva.
A agricultura brasileira necessita que se conduza de forma competente a política agrícola e agrária. Uma política agrícola sólida e consistente é o ideal. A base de sustentação da economia brasileira não deve passar por períodos de instabilidade. É importante frisarmos que o setor agrícola atingiu estágio avançado em termos das necessidades do país e do mercado externo.
Sem levar em conta essa análise preliminar, poderá ocorrer o comprometimento do desenvolvimento do agronegócio, na área socioeconômica, particularmente no abastecimento e na geração de emprego e renda.

Fábio de Salles Meirelles, 69, advogado e agropecuarista, é presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e membro da Academia Brasileira de Agricultura.


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