São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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A DIREÇÃO DO REAL

A escolha do "real" como nome da moeda criada pelo mais bem-sucedido plano antiinflacionário no Brasil não foi casual. Tratava-se não só de homenagear a história remota do país dos "contos de réis" mas principalmente de fixar, para as gerações futuras, a idéia de que moeda é coisa real, não a ficção a que se habituaram os brasileiros, vítimas das ilusões inflacionárias.
Quase oito anos depois de criada, no entanto, a moeda que lastreou a eleição e a reeleição de FHC é uma pálida sombra do símbolo original.
A fragilidade tornou-se patente porque as duas gestões de FHC criaram armadilhas que tornam incerto o rumo da economia brasileira.
Em seminário sobre o regime de metas inflacionárias, o presidente do BC, Armínio Fraga, afirmou que o equilíbrio fiscal e o controle da inflação "caminham na direção certa".
As dúvidas sobre o acerto ou mesmo a existência desse suposto rumo vicejam entre alguns dos principais economistas do país. O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira publicou há algumas semanas um estudo veemente contra a política monetária do governo FHC. Também o ex-ministro Antonio Delfim Netto vem alertando para os riscos da política econômica de FHC.
Há duas semanas, a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, declarou que a dívida brasileira é "maior do que o desejável", embora não seja um "problema imediato".
Nesta semana, o BC faz nova reunião para decidir sobre os juros e as expectativas do mercado convergem para a tese de que haverá uma redução nas taxas. Afinal, houve até deflação e a economia está desaquecida.
Mas qual a sustentabilidade dessa possível redução se os indicadores de endividamento público, interno e externo, são um obstáculo relevante no médio e longo prazos?
Essa é a herança do real. Pesam sobre as gerações futuras a fragilização do sistema produtivo e o aumento da dívida pública, interna e externa.
A redução dos juros é possível apenas quando os fundamentos estão no rumo certo, ou seja, o governo consegue equilíbrio nas contas públicas e nas contas externas.
Mas o governo FHC acaba de decretar um corte de gastos da ordem de R$ 5 bilhões justamente porque tem dificuldades para aprovar o remendo da CPMF. É um sintoma de fragilidade fiscal. As contas externas também são fonte de inquietação.
Estudos do JP Morgan, referência na avaliação de riscos nos mercados financeiros internacionais, indicam uma dívida bruta brasileira de 73% do PIB, mais 10% do PIB em "esqueletos" fiscais (passivos ainda não incorporados à dívida).
Apenas para estabilizar a trajetória do endividamento brasileiro seria necessário um esforço de arrecadação e controle de gastos fortíssimo, a ponto de gerar um superávit primário da ordem de 3,5% do PIB.
Fraga disse que "é do interesse de qualquer que seja o futuro governante construir as bases para o país crescer e respeitar essa equação".
Infelizmente, o governante sob o qual opera o presidente do BC não seguiu esse seu truísmo. A direção do real é incerta, seja qual for o candidato que afinal vier a administrar a herança financeira da era FHC.



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