São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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A AGENDA DA "ÉTICA"

Muitas vezes desqualificada pelos candidatos, principalmente quando são alvejados por suspeitas, a agenda dos hábitos e costumes políticos será um dos pontos fulcrais das eleições de 2002. Isso porque, a despeito do denuncismo politicamente interessado presente em praticamente todas as denúncias contra este ou aquele candidato, há uma preocupação geral legítima da sociedade, da imprensa e das instituições com a lisura no exercício do poder e na sua disputa.
Não se trata de adotar perspectiva panglossiana da realidade. Na verdade, a expiação pública de atos e atitudes obscuras dos poderosos e dos aspirantes a poderosos através de espasmos midiáticos só ocorre por uma fraqueza da democracia brasileira. Advém da falta de uma estrutura madura de constrangimento institucional para que os que lidam com dinheiro público prestem contas à sociedade. O espaço público de uma democracia jovem como a brasileira ainda possui muitos vazios, o que redunda numa crescente mas ainda fraca capacidade de fiscalizar o exercício do poder de Estado.
O desejo de superar o padrão dos negócios de bastidores, herança de um Estado patrimonialista, esteve presente na série de casos em que se questionaram procedimentos da administração Fernando Henrique Cardoso. O PT, que lucrou eleitoralmente com a exploração dos "escândalos", tampouco se viu livre de questionamentos, por exemplo contra atos de suas gestões no Rio Grande do Sul e na cidade de São Paulo.
O Senado Federal também não resistiu ao avanço da demanda por prestação de contas. Em 2000, despojou-se de um tabu com a cassação do mandato de um senador suspeito de participar de desvio de dinheiro público. Em 2001, houve a renúncia forçada de três outros senadores -dois eram ex-presidentes da Casa e o outro, ex-líder do governo.
Todo esse processo de pressão pela abertura das "caixas pretas" da política e da administração pública, como se vê no noticiário, não dá mostras de que vá arrefecer em período eleitoral. Tende, mais, a adensar-se, seja pelo aumento dos conflitos entre as forças políticas, seja porque é um momento em que se redobram as atenções do eleitorado e da imprensa sobre o tema da "ética".
Em alguma etapa desse processo, como sinal de amadurecimento da sociedade na sua demanda legítima por prestação de contas e por transparência, os políticos serão pressionados a tratar com seriedade do tema do financiamento de campanhas. Já está bastante claro para largas fatias da opinião pública que acordos firmados nas campanhas em troca de fundos estão na origem da maioria dos escândalos em que o interesse público é derrotado pelo privado.
A partir do momento em que a origem do dinheiro e o gasto das campanhas puderem ser razoavelmente monitorados, haverá menos estímulo para os pactos de bastidores que, não raro, prometem nacos do dinheiro e do patrimônio públicos em troca de um adiantamento para os gastos correntes de campanha.



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