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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

Oráculo do mercado

Se o mercado é um deus, os economistas de banco são o seu oráculo. Nutrida por uma política econômica que beneficiou sobretudo o sistema financeiro, a categoria ganhou influência ímpar no Brasil dos anos 90. Para os crentes -sejam eles interessados ou temerosos da força da divindade-, suas palavras passaram a carregar a autoridade de leis infalíveis e imutáveis. Até o fim da década de 80, os analistas das instituições financeiras pouco eram ouvidos. Eles proliferaram depois da abertura das Bolsas de Valores a investidores estrangeiros, em 1991, e do ingresso maciço no país de bancos europeus e americanos. Fortaleceu-os a crença de que os investimentos externos, não necessariamente duradouros, seriam capazes de sustentar o renascimento da economia. A função original desses economistas era escrever relatórios para orientar clientes, mas sua disponibilidade para análises rápidas e o consenso dogmático em torno dos chamados "fundamentos" necessários à atração de investidores transformou-os em estrelas da mídia. Citados como "economistas", receberam o benefício de uma suposta neutralidade técnica que, a olhos desavisados, anula o fato de serem porta-vozes de interesses particulares. Função obviamente legítima, mas que não é explicitada de maneira clara. Ao transitar entre o público e o privado, os economistas de banco estabeleceram uma relação simbiótica com a diretoria do Banco Central e com os altos escalões da Fazenda -relação que o governo Lula até agora manteve intacta. Formaram uma rede de convencimento que inclui empresas de consultoria. É uma constante que a rede seja procurada ou se faça presente em momentos como o atual, vésperas de uma reunião em que o Comitê de Política Monetária decidirá se a taxa de juros cai ou sobe. O batedor do grupo é Paulo Leme, diretor de Mercados Emergentes do banco Goldman Sachs. Seu fiel escudeiro é o ex-ministro Maílson da Nóbrega, da consultoria Tendências. As posições de Leme e de Nóbrega não mudam e são sempre as mais radicais: nunca é hora de baixar os juros, o superávit primário deveria ser maior ainda. Acompanhadas de um providencial aumento do dólar, as sentenças metem medo, e deve ser por isso que continuam funcionando, mesmo quando se baseiam em suposta sabedoria econômica na qual a maioria deixou de acreditar.
Em investida contra seus críticos, o então presidente Fernando Henrique Cardoso citou em 2001 o jurista e historiador Raymundo Faoro, morto na semana passada. Disse que seu governo promovia uma "mudança de mentalidade" para afastar a gestão do Estado do patrimonialismo, porque o Brasil repudiava "a confusão entre a Fazenda pública e a fazenda privada".
Hoje, sabe-se que essa confusão apenas assumiu nova forma. O país passou da centralidade do Estado na era Vargas à repulsa de tudo que é estatal sem que em nenhum momento o Tesouro tivesse deixado de ser apropriado por grupos minoritários. É o que transparece não apenas da influência das finanças na determinação do destino do Orçamento público mas também de distorções como a canalização de verbas de patrocínio cultural de estatais para um círculo restrito de cineastas.


Claudia Antunes é coordenadora de redação da Sucursal do Rio. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Boris Fausto, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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