São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A saúde no Estado de São Paulo

JOSÉ ERIVALDER GUIMARÃES

Intensificaram-se nos últimos dias as notícias que constatam a situação cada vez mais dramática na área da saúde vivida pela grande maioria dos moradores da zona leste da cidade de São Paulo. As reclamações são inúmeras: da falta de médicos à falta de medicamentos, da ausência de infra-estrutura à insegurança física para o exercício da profissão, haja visto a crescente onda de violência que atinge principalmente a periferia mais desassistida.


Não temos dúvida de que a responsabilidade pela realidade de penúria em que se encontra a saúde é do governo do Estado


O Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), preocupado em resguardar a integridade física dos profissionais e apontar aos responsáveis a situação em que vivem os médicos que trabalham na periferia, realizou uma detalhada pesquisa, na qual ficam comprovados os graves índices de violência contra os profissionais. Essa pesquisa, que teve repercussão nacional, parece em nada ter alterado a prática do governo estadual, ainda absolutamente sem iniciativas em relação à segurança de quem trabalha na periferia.
Não temos dúvida de que a responsabilidade pela realidade de penúria em que se encontra a saúde cabe ao governo do Estado. Entre outras razões, apontamos o não-cumprimento da emenda constitucional 29. Aprovada em setembro de 2000, a emenda 29 determinou a aplicação mínima, em âmbito estadual, de 12% das receitas líquidas de impostos e transferências a serem gastos com "ações e serviços de saúde". A partir de 2001, diferentemente de 2000, o governo do Estado de São Paulo incluiu na função "saúde" aproximadamente 30 ações que não tratam de "ações e serviços de saúde", como determina o texto constitucional. Como exemplos, a prevenção e repressão ao crime organizado e ao narcotráfico e o programa habitacional Sonho Meu (atual Pro Lar).
Em 2005, já se sabe que o governo do Estado não cumprirá a emenda 29, pois gastará apenas 10,97% com "ações e serviços de saúde". O montante que, desde 2000, deixou de ser investido na saúde propriamente dita chega a quase R$ 2 bilhões. Em 2004 foram R$ 669,3 milhões, e em 2005 serão aproximadamente R$ 432 milhões.
Mas há outro drama a ser enfrentado pelos médicos: o salário de miséria pago pelo governo do Estado. Um médico ganha atualmente, por 20 horas semanais, R$ 1.100. Há uma gratificação que varia de R$ 150 a R$ 500. Ou seja: pelas 20 horas semanais, um profissional pode receber, no máximo, R$ 1.600.
Em lugar de um planejamento eficaz e de uma ação efetiva na área da saúde, o governo do Estado prefere a via mais "cômoda", mas, paradoxalmente, muito mais acidentada, contra a qual o Simesp vem se debatendo há algum tempo: a entrega pura e simples às chamadas organizações sociais de equipamentos públicos -como os hospitais, por exemplo. Em primeiro lugar, essas organizações sociais (entidades filantrópicas) não têm as portas abertas ao acompanhamento externo que poderia ser feito pelas entidades médicas. Concretamente, no dia-a-dia, os leitos diminuíram, não se faz atendimento de urgência e as condições de trabalho dos médicos é muito ruim.
Por isso, o modelo de assistência continua tendo nos prontos-socorros a sua porta de entrada, fazendo coro ao pragmatismo da população, que quer ver, obviamente, a cura para o seus males. E esse pragmatismo leva ao pronto-socorro, no qual todos sabem que serão atendidos e onde será dado um encaminhamento ao que é emergencial. Mas essa iniciativa esbarra em um dado também angustiante: na Grande São Paulo os postos do governo do Estado estão ociosos, faltam equipamentos e profissionais.
Os dramáticos efeitos dessa ausência poderiam ser minimizados caso houvesse um efetivo investimento no Programa Saúde da Família, com a proliferação de equipes multidisciplinares, atendendo de casa em casa, sendo perfeitamente possível resolver, na raiz, muitos problemas que a população acaba levando para os postos de saúde. Mas nada disso se vê nos municípios da Grande São Paulo, onde a ausência do governo estadual no atendimento à saúde causa indignação.
As entidades médicas vêm, já há muito tempo, tentando ser ouvidas. Isso nunca aconteceu. Pelo menos no governo Alckmin, nossa voz não passa de um "ruído" -atitude arrogante de quem prefere a truculência e a propaganda enganosa ao diálogo, à construção de um atendimento à saúde digno de um Estado como São Paulo, o mais rico da Federação. Uma riqueza que não é colocada a serviço de seus cidadãos, especialmente na área da saúde.
Do mesmo modo, outra pergunta vem sendo insistentemente feita pelos médicos e por suas entidades representativas: qual a motivação dada a um médico para trabalhar na periferia? Pergunta que não pode ficar perdida no ar, sob pena de vermos submergirem no mar da incompetência e da omissão estaduais a dignidade da profissão e a saúde da população. Além de tudo isso, é imprescindível que o Ministério Público Federal e o estadual estejam atentos ao cumprimento do que determina a Constituição, especificamente no que se refere aos gastos com a saúde, determinação que vem sendo desrespeitada no Estado de São Paulo.
Nossa luta sempre será pela garantia de acesso da população a uma saúde de qualidade.

José Erivalder Guimarães de Oliveira, 53, é presidente do Simesp e secretário-geral da Fenam (Federação Nacional dos Médicos).


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Oded Grajew: Um novo pacto abolicionista

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.