São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sentimentos oposicionistas estruturados

WALDER DE GÓES

O que o título sugere é quase uma platitude. Toda a gente percebe que neste ano os sentimentos oposicionistas do eleitorado mostram-se mais vigorosos e, em consequência, potencialmente mais estáveis do que nas duas últimas campanhas presidenciais.
Mas não basta dizê-lo e contar com a compreensão geral. Alguma justificação é indispensável, seja para que nós próprios nos convençamos, seja para que especulemos com razoabilidade sobre a qualidade e a consistência desses sentimentos, seja até para que reflitamos sobre as chances de estratégias eleitorais voltadas para reverter os impulsos políticos atuais da população.
O contexto mais geral que produz esses sentimentos oposicionistas é dado por uma coincidência de grande porte. De um lado, o ciclo político de baixa do presidente Cardoso, algo tão natural quanto a água e o vento. Qualquer que seja o julgamento que façamos de seu desempenho, o fato é que os brasileiros não se dizem felizes no momento. Os problemas de sempre estão aí, menos ou mais agravados, e há pouco estímulo a olhar para o futuro com otimismo realista. Aos problemas velhos acrescentaram-se novos, como o da inédita crise de segurança pública e a elevação da insegurança financeira a tais níveis que mesmo os protegidos não se sentem mais seguros.
De outra parte, qualquer que seja a indicação de mérito e merecimento do presidente, o fato é que o senso prático dos eleitores e a racionalidade das lideranças não lhe creditam mais poder futuro e procuram alternativas.
O ocaso do governo Cardoso coincide com uma instabilidade econômica insuposta na escala em que está se manifestando. Somaram-se muitos elementos para produzir tal ambiente: uma eleição, uma conjuntura de crise internacional e dúvidas técnicas sobre a solvabilidade futura das dívidas do governo e do país, com reflexos na vida concreta das pessoas. Não bastasse o que dizem as pesquisas, assim, seria natural que os brasileiros estivessem se perguntando se o feito foi bem feito.
Em jornalismo diz-se que o bom argumento é uma massa concentrada de informações. E as informações estão aí, disponíveis, geradas por uma profusão ensurdecedora de pesquisas de opinião.
Em nenhuma das três campanhas presidenciais anteriores Luiz Inácio Lula da Silva atravessou o mês de julho com uma taxa tão alta de apoio eleitoral quanto agora, a despeito das lavas de vulcão que lançaram sobre ele, justeza à parte. Mesmo entre os que consideram o governo Cardoso bom ou ótimo, 22% no indicador Ibope, a proposta de continuidade é repelida. José Serra tem apenas 26% dos votos desses eleitores. Lula tem 24%.


Quando o voto se desvia de Lula, tem ido para Ciro, que projeta de si uma imagem oposicionista mais resoluta


Não é Lula, é a força da demanda por mudança que o põe na liderança, mesmo havendo sido ele domesticado pelo establishment. E, quando o voto se desvia de Lula, não tem ido para José Serra, mas para Ciro Gomes, que projeta de si uma imagem oposicionista mais resoluta. Entre os apreciadores do presidente, Ciro Gomes tem algo como 20%.
O povo, estão dizendo as pesquisas, deseja mais mudança do que continuidade, não vota "de jeito nenhum" em "candidato da continuidade", não mudará de opinião mesmo que a crise econômica se agrave. Segundo o Ibope, os que querem mudar totalmente o governo e os que gostariam de mudar muita coisa somam 74%. Os que querem pouca mudança são 14% e a continuidade linear das orientações vigentes só é apoiada por 8%.
Outros indicadores, sobretudo o Datafolha, mostram que, mesmo na hipótese de agravamento da instabilidade econômica, a tendência é de preservação e até de consolidação da predisposição oposicionista do voto. E um dado de realismo: uma parte expressiva do eleitorado entende que, com a oposição tornada governo, as coisas não vão necessariamente melhorar, mas é preciso experimentar uma liderança que não as de sempre. Não precisamos ficar ressentidos com os fatos. Essas são as curvas de opinião e elas não têm oscilado muito desde que se instalou a campanha eleitoral.
Estratégias eleitorais são armas muito sofisticadas, muito poderosas, e é sempre muito arriscado subestimar a força política dos governos. O governo Cardoso, afinal, ainda não entrou totalmente em cena nesta campanha eleitoral. No entanto o sucesso de estratégias para mudar tendências estruturadas somente é certo em democracias apenas nominais, o que absolutamente não é nosso caso. O futuro está aberto a possibilidades, naturalmente, mas a ordem natural das coisas nos diz que a oposição tem mais chances este ano.


Walder de Góes, 64, professor titular aposentado de ciência política e relações internacionais da UnB, consultor, é presidente do Ibep (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).



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