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TENDÊNCIAS/DEBATES
Sentimentos oposicionistas estruturados
WALDER DE GÓES
O que o título sugere é quase uma
platitude. Toda a gente percebe
que neste ano os sentimentos oposicionistas do eleitorado mostram-se mais
vigorosos e, em consequência, potencialmente mais estáveis do que nas duas
últimas campanhas presidenciais.
Mas não basta dizê-lo e contar com a
compreensão geral. Alguma justificação é indispensável, seja para que nós
próprios nos convençamos, seja para
que especulemos com razoabilidade sobre a qualidade e a consistência desses
sentimentos, seja até para que reflitamos sobre as chances de estratégias eleitorais voltadas para reverter os impulsos políticos atuais da população.
O contexto mais geral que produz esses sentimentos oposicionistas é dado
por uma coincidência de grande porte.
De um lado, o ciclo político de baixa do
presidente Cardoso, algo tão natural
quanto a água e o vento. Qualquer que
seja o julgamento que façamos de seu
desempenho, o fato é que os brasileiros
não se dizem felizes no momento. Os
problemas de sempre estão aí, menos
ou mais agravados, e há pouco estímulo
a olhar para o futuro com otimismo realista. Aos problemas velhos acrescentaram-se novos, como o da inédita crise
de segurança pública e a elevação da insegurança financeira a tais níveis que
mesmo os protegidos não se sentem
mais seguros.
De outra parte, qualquer que seja a indicação de mérito e merecimento do
presidente, o fato é que o senso prático
dos eleitores e a racionalidade das lideranças não lhe creditam mais poder futuro e procuram alternativas.
O ocaso do governo Cardoso coincide
com uma instabilidade econômica insuposta na escala em que está se manifestando. Somaram-se muitos elementos para produzir tal ambiente: uma
eleição, uma conjuntura de crise internacional e dúvidas técnicas sobre a solvabilidade futura das dívidas do governo e do país, com reflexos na vida concreta das pessoas. Não bastasse o que dizem as pesquisas, assim, seria natural
que os brasileiros estivessem se perguntando se o feito foi bem feito.
Em jornalismo diz-se que o bom argumento é uma massa concentrada de
informações. E as informações estão aí,
disponíveis, geradas por uma profusão
ensurdecedora de pesquisas de opinião.
Em nenhuma das três campanhas
presidenciais anteriores Luiz Inácio Lula da Silva atravessou o mês de julho
com uma taxa tão alta de apoio eleitoral
quanto agora, a despeito das lavas de
vulcão que lançaram sobre ele, justeza à
parte. Mesmo entre os que consideram
o governo Cardoso bom ou ótimo, 22%
no indicador Ibope, a proposta de continuidade é repelida. José Serra tem apenas 26% dos votos desses eleitores. Lula
tem 24%.
Quando o voto se desvia de Lula, tem ido para Ciro, que projeta de si uma imagem oposicionista mais resoluta
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Não é Lula, é a força da demanda por
mudança que o põe na liderança, mesmo havendo sido ele domesticado pelo
establishment. E, quando o voto se desvia de Lula, não tem ido para José Serra,
mas para Ciro Gomes, que projeta de si
uma imagem oposicionista mais resoluta. Entre os apreciadores do presidente,
Ciro Gomes tem algo como 20%.
O povo, estão dizendo as pesquisas,
deseja mais mudança do que continuidade, não vota "de jeito nenhum" em
"candidato da continuidade", não mudará de opinião mesmo que a crise econômica se agrave. Segundo o Ibope, os
que querem mudar totalmente o governo e os que gostariam de mudar muita
coisa somam 74%. Os que querem pouca mudança são 14% e a continuidade linear das orientações vigentes só é
apoiada por 8%.
Outros indicadores, sobretudo o Datafolha, mostram que, mesmo na hipótese de agravamento da instabilidade
econômica, a tendência é de preservação e até de consolidação da predisposição oposicionista do voto. E um dado de
realismo: uma parte expressiva do eleitorado entende que, com a oposição
tornada governo, as coisas não vão necessariamente melhorar, mas é preciso
experimentar uma liderança que não as
de sempre. Não precisamos ficar ressentidos com os fatos. Essas são as curvas de opinião e elas não têm oscilado
muito desde que se instalou a campanha eleitoral.
Estratégias eleitorais são armas muito
sofisticadas, muito poderosas, e é sempre muito arriscado subestimar a força
política dos governos. O governo Cardoso, afinal, ainda não entrou totalmente em cena nesta campanha eleitoral. No entanto o sucesso de estratégias
para mudar tendências estruturadas somente é certo em democracias apenas
nominais, o que absolutamente não é
nosso caso. O futuro está aberto a possibilidades, naturalmente, mas a ordem
natural das coisas nos diz que a oposição tem mais chances este ano.
Walder de Góes, 64, professor titular aposentado de ciência política e relações internacionais da
UnB, consultor, é presidente do Ibep (Instituto
Brasileiro de Estudos Políticos).
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