São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O número de evangélicos cresceu, e daí?

LEVI CORRÊA DE ARAÚJO

Gostaria de informar aos cidadãos que não professam a fé evangélica que o fato de o número de evangélicos ter aumentado significativamente nos últimos anos não quer dizer muita coisa para um grupo de pensadores e líderes formadores de opinião, que seguem o Evangelho de Jesus Cristo.
Esses discípulos do Mestre dos Mestres não ignoram a importância da quantidade, mas, acima de tudo, valorizam a qualidade, a maturidade e a relevância de ser evangélico em uma sociedade que precisa da contribuição, e não da imposição da ética cristã.
E, por falar em relevância e pensando nas grandes denominações brasileiras, quais são as iniciativas que fogem do assistencialismo estéril, do marketing social, da promoção pessoal e do messianismo pedante dos neo-seguidores do messias?
Penso que, ao apresentar um pouco mais de detalhes sobre uma iniciativa que pretende não ser escrava de pragmatismos e estatística, talvez eu consiga contribuir para uma leitura mais consubstanciada desse mosaico específico da sociedade civil denominado "evangélicos", enfatizando, acima de tudo, que, graças a Deus, não é o único movimento capaz de não se inebriar com os registros dos institutos de pesquisas nem se ufanar com as raras manchetes que nos são simpáticas.
A iniciativa a que me refiro é o Fórum para a Conscientização do Voto Evangélico no Grande ABC, que surgiu em 1996, como reação ao envolvimento indevido, preconceituoso e discriminatório de evangélicos com políticos de comportamento suspeito. Foi a partir daí que um grupo pequeno de idealistas passou a articular um movimento na busca de uma nova cultura política regional, por meio da conscientização do evangélico como cidadão, não apenas antes, mas durante e depois do voto.
Como era de esperar, líderes evangélicos e políticos ligados a uma mentalidade e um comportamento que envergonham o Evangelho de Cristo foram os primeiros a oferecer resistências e boicotes, estratégia que usam até hoje.
O comportamento vergonhoso desse grupo de pessoas assemelha-se ao "jeitinho" de "pensar e fazer" política de outros grupos não-evangélicos. São o mesmo populismo, o mesmo nepotismo, o mesmo clientelismo, o mesmo fisiologismo que tentam nos submeter à cultura do "toma lá, dá cá" e do "levar vantagem em tudo", espiritualizados por desvios de doutrina como a chamada Teologia da Prosperidade.
Nós não suportamos mais o pecado de ver "um redil de ovelhas" transformado em "curral eleitoral", envergonhamo-nos ao saber que, em época de eleições, pastores são abençoados com "ofertas generosas" de políticos que, repentinamente, decidem "investir" na obra do Senhor e nos enojamos com pregações e declarações descaradas, justificando os meios pelos fins a alcançar. Para não pecarmos generalizando, é claro que há exceções; raras, mas há.


Nós não suportamos mais o pecado de ver "um redil de ovelhas" transformado em "curral eleitoral"


É obvio que importa separar desse "seleto grupo" aqueles que só pensam no céu, reféns de uma teologia alienada e antibíblica, merecedores da crítica pertinente de Karl Marx à religiosidade. Que Deus nos livre também do grupo não menos perigoso, de cristãos omissos, que alienadamente se gabam de ser apolíticos.
Avançando em nosso desejo de respeitar todas as pessoas e, principalmente, a pessoa de nosso Deus e pai, é que iniciamos o Projeto Segunda Cidadã.
Estamos nos reunindo nas primeiras segundas-feiras de cada mês para refletir sobre temas relevantes para a nossa comunidade, tais como ação social, educação, saúde, segurança, habitação, ética na política etc. É nosso desejo contar com todas as correntes políticas, sem exceção, participando intensamente desse projeto, expondo, debatendo e interagindo nesses encontros. Esta é a maneira coerente de construção de uma sociedade democrática e pluralista.
De setembro do ano passado até este mês, muitas personalidades da vida pública brasileira nos honraram com sua presença e idéias. O alto Comando da Polícia Militar de nossa região esteve por duas vezes falando sobre segurança pública. O dr. Raul Cristiano expôs o projeto Bolsa-Escola, do governo federal; o vereador Carlos Apolinário e a liderança do PGT refletiram sobre problemas do Estado e apresentaram as propostas de seu partido para dirimi-los; representantes do Executivo e do Legislativo municipal de Santo André debateram a Lei do Silêncio Urbano.
De julho a outubro, o Projeto Segunda Cidadã entrou no ritmo das eleições. Estamos desejosos de ouvir e refletir sobre os programas de governo de todos os candidatos, contribuindo para que se eleve o nível nas campanhas eleitorais, mas, principalmente, para que possamos votar com consciência e coerência.
Como evangélicos, queremos dar nossa contribuição significativa para uma verdadeira transformação de nosso país, em todos os níveis e todas as áreas, e não nos prestando tão somente como mero dado estatístico.
Entender o Evangelho de Jesus Cristo é compreender, antes de tudo, nossa dupla cidadania, a celestial e a terreal. Se desprezarmos uma delas, nós seremos tudo, menos evangélicos.


Levi Corrêa de Araújo, 39, pastor da Primeira Igreja Batista de Santo André, é coordenador do Fórum Evangélico para a Conscientização do Voto no Grande ABC.



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