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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se restringir a independência das agências reguladoras?

NÃO

Voltar ao modelo estatista e fisiológico?

ALBERTO GOLDMAN

Injustos são aqueles que pensam que os dirigentes do governo Lula não têm vontade ou capacidade para produzir mudanças. É verdade que, tanto na política econômica, na qual só aprofundaram a tão repudiada ortodoxia, quanto nas políticas sociais, em que tentam, sem sucesso, inventar políticas de inclusão sob novas denominações, não têm obtido maiores resultados. Mas estão à procura de deixar a sua marca para justificar a que vieram. E os bodes expiatórios são as agências reguladoras.
As agências foram criadas por lei, uma a uma, após exaustivas discussões no Congresso Nacional, das quais participaram amplamente os diversos segmentos da sociedade. Foram concebidas, é verdade, com variações de uma para outra, à medida que a discussão ia se aprofundando e a experiência legislativa ia se aperfeiçoando, como agentes do Estado, não como uma repartição governamental. A sua característica principal, dessa forma, passou a ser a sua independência administrativa e financeira, dentro dos limites constitucionais possíveis, e a sua autonomia decisória para implementar as políticas do Executivo e do Legislativo, essas sim competência do presidente e dos parlamentares eleitos. Subordinação somente às leis e aos tribunais.
A criação das agências não foi um ato isolado, mas fez parte da nova concepção do Estado brasileiro. Vale dizer, da redefinição do papel dos entes estatais, do seu gerenciamento, de suas responsabilidades e de sua relação com o setor privado da economia. E o resultado desse novo modelo é altamente positivo, ainda que revisões possam e devam ser feitas. Os avanços nos setores de telecomunicações e petrolífero são exemplos claros de sucesso -e os insucessos no setor elétrico se deram menos em função da agência e mais em função das indefinições políticas do governo.
Com a criação das agências e a definição de novas responsabilidades para o setor privado, dezenas de empresas estatais deixaram de ter o preenchimento de seus cargos de direção determinados pelo tradicional fisiologismo da política nacional. Eis aí algo que os novos "companheiros" no poder não engolem. Afinal, a "companheira" Dilma Roussef comanda o "companheiro" José Eduardo Dutra, presidente da Petrobras, e o "companheiro" Jorge Miguel Samek, presidente de Itaipu, mas não comanda a Agência Nacional de Petróleo nem a Agência Nacional de Energia Elétrica; e o Senado se deu ao desplante de exercer seu poder recusando uma indicação política para aquela.
No setor de telecomunicações, as empresas são privadas e a agência é autônoma, só sobrando ao ministro Miro Teixeira a indicação dos "companheiros" dos Correios. Infelizmente não se deram conta -à exceção da ministra Dilma- de que o papel mais nobre e importante que têm, e que a lei lhes determina, é o de construir as políticas de cada setor, cabendo às agências implementá-las.
Agora o governo trabalha na reformulação do papel das agências, através de um projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso. Menos mal do que vem fazendo, que é a desqualificação e a sabotagem delas. Se o objetivo for caracterizar melhor o que significa "definição de políticas", tudo bem, será um aperfeiçoamento da legislação. No entanto, a valerem as informações, que vazam -ou são vazadas-, de que perderão sua independência e sua autonomia, de que terão de obedecer a um "contrato de gestão" com cumprimento de metas (que metas seriam, se elas, agências, não são agentes da produção, não operam empresas?), de que não serão responsáveis pelos contratos de concessão dos serviços públicos e de que os mandatos de seus dirigentes serão coincidentes com os do presidente da República (os mandatos não são coincidentes justamente para que haja continuidade na gestão da agência), de que vale a sua existência? Mais honesto seria propor sua extinção e voltar ao modelo nacional/estatista/fisiológico do passado.
O que se fez nos últimos anos foi criar instrumentos menos sensíveis a interesses políticos conjunturais, uma regulação que não sofresse de falta de continuidade com a mudança de governos, visto que se trata da relação do poder concedente com concessionários, privados ou estatais, que deve ter estabilidade em face dos longos prazos que caracterizam as concessões de serviços públicos. Vale dizer, objetiva-se dar segurança a investimentos que, inevitavelmente, são de retorno a médio e longo prazo, dentro de condições estipuladas que devem atender tanto às empresas, quanto aos usuários. Afinal, são investimentos que viabilizam a produção, o atendimento às necessidades dos serviços públicos, o crescimento econômico e a geração de empregos. Sem eles, o "espetáculo do crescimento" vai virar um deprimente espetáculo de recessão.


Alberto Goldman, 65, deputado federal pelo PSDB-SP, é vice-presidente da Executiva Nacional do partido. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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