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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se restringir a independência das agências reguladoras?
SIM
Agências e modelo de Estado
TELMA DE SOUZA
A polêmica envolvendo o reajuste
de tarifas telefônicas, anunciado
pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), coloca novamente em
pauta a discussão sobre o atual modelo
das agências reguladoras.
Sem descer a detalhes técnicos e jurídicos que permeiam os contratos firmados com as concessionárias de serviços,
e portanto não querendo entrar, por enquanto, no mérito de tais compromissos vis-à-vis o interesse público, é óbvio
que a atitude da Anatel, no que concerne à citada majoração, demonstrou como as agências, com frequência, agem
em total descompasso com as metas e
diretrizes econômicas traçadas pelo poder público, além de, ao contrário do
que apregoam seus dirigentes, não levarem em consideração a defesa dos direitos dos consumidores.
O pior é que, por meio de um intrincado arsenal de fórmulas e artifícios matemáticos e jurídicos só acessíveis a uma
reduzidíssima casta de técnicos, esses
organismos tentam convencer a opinião pública de que estão apenas agindo
no interesse comum e preservando a liberdade de ação que a legislação lhes garante. Na sequência, acenam-nos ainda
com ameaças explícitas de recuo dos investimentos internacionais, caso haja
qualquer arranhão a essa tão endeusada
autonomia de atuação.
Ora, vamos colocar esse debate em
seu patamar real -ou, como popularmente se diz, vamos colocar a bola no
chão. Há cerca de três meses, apresentei
projeto de lei na Câmara Federal, propondo algumas alterações no funcionamento das agências -alterações que
permitissem mais transparência em sua
atuação e proporcionassem maior controle público e social, em defesa dos interesses dos consumidores, seja na qualidade dos serviços prestados, seja nos
preços cobrados por esses serviços.
Confesso que me surpreendi com a
reação de alguns setores representativos
das agências em tela ou direta ou indiretamente ligados aos investidores das
áreas dos serviços regulados. Com incrível rapidez, começou-se a divulgar a
versão de que minha intenção era extinguir os órgãos reguladores, quando
qualquer um que lesse o texto do projeto verificaria, sem muito esforço, que o
objetivo era aprimorar o funcionamento desses organismos, não tanto pela
adoção das medidas específicas que eu
propunha, mas principalmente com o
fomento de um amplo e democrático
debate sobre o tema, um debate que envolvesse não só técnicos e autoridades,
mas todos os setores realmente representativos da sociedade brasileira.
Recentemente, ao participar de seminário sobre o papel das agências reguladoras promovido pelo Instituto Trevisan, em São Paulo, declarei que, hoje,
passados três meses da apresentação de
meu projeto, eu mesma faria algumas
alterações nas propostas elencadas,
com base na evolução das discussões
sobre o tema, incluindo estudos realizados por grupo de trabalho da Casa Civil
da Presidência da República. Reiterei,
porém, como reitero aqui, meu entendimento de que o papel atual das agências reguladoras precisa ser rediscutido.
E vou além: ao promover essa discussão, estaremos iniciando um profundo
debate sobre o modelo de Estado que
queremos para o nosso país, um Estado
que não pode, devido ao seu gigantismo, ser vitimado por uma lentidão incompatível com os desafios que se apresentam no momento, mas que não pode também estar atrelado ao interesses
exclusivos do mercado. Temos, portanto, uma grande tarefa pela frente.
A questão do recente reajuste das tarifas telefônicas e a polêmica que ainda
grassa em torno do assunto demonstram que devemos começar a assumir
essa tarefa já, sob pena de sermos atropelados não só pelos fatos, mas também
pelos anseios e exigências da sociedade
que, pelo voto, autorizou-nos a representá-la nos diferentes fóruns parlamentares do país.
Acredito que meu projeto, longe de
ser uma proposta acabada, abre caminho para que o debate em curso continue se aprofundando, no sentido de que
a sociedade brasileira chegue a um consenso sobre o perfil e o papel ideais das
agências reguladoras em face da prestação de serviços públicos, numa configuração que considere tanto os interesses
de mercado, quanto a função reguladora do Estado moderno de zelar pela defesa dos direitos de seus cidadãos.
Telma de Souza, 59, deputada federal pelo PT-SP, é vice-líder do partido na Câmara. Foi prefeita de Santos (SP), de 1989 a 1992.
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