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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se restringir a independência das agências reguladoras?

SIM

Agências e modelo de Estado

TELMA DE SOUZA

A polêmica envolvendo o reajuste de tarifas telefônicas, anunciado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), coloca novamente em pauta a discussão sobre o atual modelo das agências reguladoras.
Sem descer a detalhes técnicos e jurídicos que permeiam os contratos firmados com as concessionárias de serviços, e portanto não querendo entrar, por enquanto, no mérito de tais compromissos vis-à-vis o interesse público, é óbvio que a atitude da Anatel, no que concerne à citada majoração, demonstrou como as agências, com frequência, agem em total descompasso com as metas e diretrizes econômicas traçadas pelo poder público, além de, ao contrário do que apregoam seus dirigentes, não levarem em consideração a defesa dos direitos dos consumidores.
O pior é que, por meio de um intrincado arsenal de fórmulas e artifícios matemáticos e jurídicos só acessíveis a uma reduzidíssima casta de técnicos, esses organismos tentam convencer a opinião pública de que estão apenas agindo no interesse comum e preservando a liberdade de ação que a legislação lhes garante. Na sequência, acenam-nos ainda com ameaças explícitas de recuo dos investimentos internacionais, caso haja qualquer arranhão a essa tão endeusada autonomia de atuação.
Ora, vamos colocar esse debate em seu patamar real -ou, como popularmente se diz, vamos colocar a bola no chão. Há cerca de três meses, apresentei projeto de lei na Câmara Federal, propondo algumas alterações no funcionamento das agências -alterações que permitissem mais transparência em sua atuação e proporcionassem maior controle público e social, em defesa dos interesses dos consumidores, seja na qualidade dos serviços prestados, seja nos preços cobrados por esses serviços.
Confesso que me surpreendi com a reação de alguns setores representativos das agências em tela ou direta ou indiretamente ligados aos investidores das áreas dos serviços regulados. Com incrível rapidez, começou-se a divulgar a versão de que minha intenção era extinguir os órgãos reguladores, quando qualquer um que lesse o texto do projeto verificaria, sem muito esforço, que o objetivo era aprimorar o funcionamento desses organismos, não tanto pela adoção das medidas específicas que eu propunha, mas principalmente com o fomento de um amplo e democrático debate sobre o tema, um debate que envolvesse não só técnicos e autoridades, mas todos os setores realmente representativos da sociedade brasileira.
Recentemente, ao participar de seminário sobre o papel das agências reguladoras promovido pelo Instituto Trevisan, em São Paulo, declarei que, hoje, passados três meses da apresentação de meu projeto, eu mesma faria algumas alterações nas propostas elencadas, com base na evolução das discussões sobre o tema, incluindo estudos realizados por grupo de trabalho da Casa Civil da Presidência da República. Reiterei, porém, como reitero aqui, meu entendimento de que o papel atual das agências reguladoras precisa ser rediscutido.
E vou além: ao promover essa discussão, estaremos iniciando um profundo debate sobre o modelo de Estado que queremos para o nosso país, um Estado que não pode, devido ao seu gigantismo, ser vitimado por uma lentidão incompatível com os desafios que se apresentam no momento, mas que não pode também estar atrelado ao interesses exclusivos do mercado. Temos, portanto, uma grande tarefa pela frente.
A questão do recente reajuste das tarifas telefônicas e a polêmica que ainda grassa em torno do assunto demonstram que devemos começar a assumir essa tarefa já, sob pena de sermos atropelados não só pelos fatos, mas também pelos anseios e exigências da sociedade que, pelo voto, autorizou-nos a representá-la nos diferentes fóruns parlamentares do país.
Acredito que meu projeto, longe de ser uma proposta acabada, abre caminho para que o debate em curso continue se aprofundando, no sentido de que a sociedade brasileira chegue a um consenso sobre o perfil e o papel ideais das agências reguladoras em face da prestação de serviços públicos, numa configuração que considere tanto os interesses de mercado, quanto a função reguladora do Estado moderno de zelar pela defesa dos direitos de seus cidadãos.


Telma de Souza, 59, deputada federal pelo PT-SP, é vice-líder do partido na Câmara. Foi prefeita de Santos (SP), de 1989 a 1992.


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