São Paulo, sábado, 19 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A atual forma de indicação dos ministros do STF compromete a autonomia do Judiciário?

NÃO

Inventando problemas

VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA

DE TEMPOS em tempos surgem propostas de mudança na forma de indicação dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
E, como é comum no Brasil, propostas de reformas institucionais costumam vir à tona após alguma polêmica envolvendo um dos Poderes da República. Nesta semana, no calor da polêmica que envolve o presidente do tribunal, o assunto voltou à pauta.
O senador Edison Lobão Filho (PMDB-MA) propôs que o processo de indicação dos ministros do STF seja alterado. Atualmente, eles são nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado. Pela proposta de Lobão Filho, o próprio STF escolheria seus integrantes, a partir de uma lista tríplice composta por indicações da OAB e das Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado.
Muitos se sentem incomodados com o fato de o atual presidente da República já ter indicado 7 dos 11 ministros do STF. Será que isso significa que a autonomia do Supremo está comprometida? Aquele que responde afirmativamente a essa pergunta necessariamente insinua que os ministros do STF devem favores àquele que os indicou e que, por isso, não seriam imparciais ao julgar alguns casos. O STF -como todo tribunal de cúpula- está sujeito a uma série de críticas em relação à sua atuação. Mas essa -a de falta de autonomia em relação àquele que indica os ministros- parece ser a menos procedente de todas.
Ao contrário do que acontece, por exemplo, nos EUA, cuja Suprema Corte tem fases mais democratas e fases mais republicanas, é simplesmente impossível, no Brasil, apontar alguma identificação do STF com esse ou aquele partido, esse ou aquele presidente da República. O fato de a maioria absoluta dos atuais ministros ter sido indicada pelo mesmo presidente não mudou em nada esse diagnóstico.
Qualquer um que conheça um pouco a atuação de tribunais de cúpula pelo mundo afora sabe que o seu grau de ativismo (que alguns preferem chamar de "politização") e o seu grau de autonomia não têm relação necessária com a forma de seleção de seus integrantes. Um mesmo tribunal pode ter fases de maior ativismo e fases de maior contenção judicial.
A principal garantia de autonomia ao Judiciário não é a forma de seleção de seus membros, mas as garantias institucionais após essa seleção, como a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos, a estabilidade, dentre outras. Os ministros do STF continuarão ministros até completarem 70 anos, e isso significa que, em geral, sua atividade no tribunal ultrapassa, às vezes em muito tempo, o tempo de mandato do presidente da República que os tenha indicado.
Em suma, embora eu não pretenda aqui defender a atual forma de indicação de ministros como necessariamente a melhor de todas as imagináveis, parece-me necessário afirmar, com todas as letras, que imputar a ela uma suposta falta de autonomia do tribunal é simplesmente inventar problemas onde eles não existem.
Para quem, mesmo assim, pretende insistir no assunto, é possível fazer duas pequenas observações finais. Em primeiro lugar, não basta simplesmente insinuar que "pode haver" comprometimento da autonomia do STF. A atual forma de indicação dos ministros é a mesma desde o início da República. Por isso, quem faz a insinuação precisa indicar, na história recente do STF, quais ministros deixaram de decidir quais casos de forma isenta por gratidão ao presidente que os indicou. O debate não pode ser conjetural, como se estivéssemos discutindo um modelo de indicação que ainda não existe; ele tem que ser factual, pois é sobre um modelo que existe há mais de cem anos.
E, por fim, é preciso lembrar que o processo de escolha dos ministros do STF não envolve apenas o presidente da República, mas também o Senado, que é responsável por sabatinar e aprovar os indicados. E essa prerrogativa implica a possibilidade de rejeitar qualquer nome que não pareça estar à altura da função de ministro do mais alto tribunal do país, algo que o Senado nunca fez.
Por isso, é até irônico que a proposta de mudança tenha origem justamente no órgão que até hoje menos cumpriu sua tarefa no processo de seleção de ministros do STF.


VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA , 34, é professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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