UOL




São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Emenda Frankenstein, artigo caranguejo

JORGE BORNHAUSEN

Desesperado por ver sua proposta de reforma da Previdência transformar-se, literalmente, em um Frankenstein, o governo agregou-lhe uma desnecessária e estúpida pata de caranguejo. Assim, além de pouco avançar, o texto "colcha de retalhos" do projeto de emenda constitucional nš 40 ganhou, na sua última versão, um apêndice que é um retrocesso: a reestatização do seguro de acidentes de trabalho. Trata-se de uma dessas asneiras, hoje chamadas de emblemáticas, que transcendem o prejuízo que causam por si mesmas. Serve como indicador de que o governo do PT não tem rumo, está tonto, ao sabor de quem quiser introduzir algum vírus de esquerdismo barato em seus documentos.
Esse artigo da reestatização dos seguros de acidente de trabalho aprovado na reforma da Previdência é um dispositivo que não constava do texto original e que foi acrescentado, de forma gratuita e sub-reptícia, pelo relator, deputado Pimentel, num desses momentos de prestidigitação vulgar em que está se transformando a tramitação de projetos no Congresso Nacional.
Em vez de se seguir a rígida e formal prescrição dos regimentos internos, adota-se uma velocidade viciada e emergencial que produz surpresas que só se revelam, até aos próprios parlamentares, depois de votadas. Os textos não são discutidos nas comissões, mas recortados e colados, caótica e improvisadamente, e expostos oralmente sem nenhuma anotação escrita para leitura pelo relator; conforme instruções que o relator ia recebendo, por telefone, do Palácio do Planalto. Se o chefe da Casa Civil ou o próprio presidente negociavam determinada concessão, anunciava-se que isso ou aquilo estava incluído.
Isso ou aquilo foi aprovado? Ou derrotado? Só então, depois de consumada a votação global, é que grande parte dos deputados soube precisamente o que fora apreciado. Uma temeridade. A reforma da Previdência tramitou assim e ameaça ter o mesmo tratamento no Senado, com a apresentação dos textos para votação em cima da hora.



O governo não está fazendo reformas, mas meias-solas. Não sabe usar os instrumentos democráticos de que dispõe


Dedicado atentamente à leitura minuciosa da evolução da reforma da Previdência -informado pela liderança do PFL, que, competentemente, conduz a oposição na Câmara-, conferindo pessoalmente cada versão do que poderia vir a ser o texto final, surpreendi-me quando, após a aprovação global, verifiquei que havia sido revogado o parágrafo 10 do art. 201 da Constituição. Aliás, trata-se da revogação de uma emenda constitucional aprovada em 1998 e ainda não regulamentada.
Ora, no momento em que o Estado brasileiro se revela -e o próprio governo petista confirma essa visão- paralisado até na execução de políticas sociais de emergência, por falta de recursos, como pode se explicar o abandono de uma oportunidade de parceria com a iniciativa privada? Por que deixar de aplicar no país um paradigma de prática universal bem-sucedida e que pode nos retirar da vanguarda nas estatísticas de acidentes de trabalho?
O seguro privado de acidentes de trabalho envolve os operadores na pesquisa e promoção de meios de segurança do trabalho, através de normas e equipamentos, pois lhes interessa primordialmente reduzir os riscos. Tal empenho das empresas seguradoras atende ao interesse dos trabalhadores, que ficam mais bem protegidos -a preocupação essencial deve ser evitar acidentes de trabalho-, e aos empregadores permite negociar os custos, graças à concorrência. Como se vê, não há componentes ideológicos na questão, nem mesmo de abandono do poder regulador e fiscalizador do Estado. Também não há interesses monopolísticos em jogo, pois a competição na área de seguros é muito grande. Por que, então, a reestatização? A primeira indicação é de que foi obra da sabotagem recalcitrante de grupos petistas que corroem por dentro a própria administração petista.
A reforma da Previdência foi apresentada inicialmente como um projeto para dar sustentação ao sistema de aposentadorias e pensões, atuarialmente ameaçado de colapso. O que resultou, porém, com o abandono de princípios básicos para atender pressões e ameaças, foi o recurso a idéias estapafúrdias para preencher o vazio dos dispositivos preteridos.
A redação final da reforma, como no caso desse artigo pé de caranguejo, que fará o monstro andar para trás, mostra-nos sua deformidade. Não foi muito além de punir, sem critérios de justiça social e cláusulas de transição, funcionários, aposentados e pensionistas que não tiveram voz, porque a CUT e o PT , que sempre os utilizaram, agora, no poder, lançam-nos ao mar.
O governo não está fazendo reformas, mas meias-solas. Não sabe usar os instrumentos democráticos de que dispõe nem percebe que o país já ultrapassou o círculo de giz do esquerdismo preconceituoso e anacrônico em que está confinado.

Jorge Bornhausen, 65, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Romeu Chap Chap: Habitação, uma questão emergencial

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.