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São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Habitação, uma questão emergencial

ROMEU CHAP CHAP

No dia 30 de outubro de 2002, tornamos pública nossa esperança em relação à política habitacional do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Seu "Projeto Moradia", divulgado antes das eleições à Presidência, apontava o combate ao déficit de moradias como uma "questão de honra". Em maio deste ano voltamos ao tema, pois, passados cinco meses do novo governo, consideramos oportuno acrescentar à "questão de honra" a questão de tempo.
Lembramos que o mencionado projeto também destacava a decisiva contribuição da habitação para a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos. Salientava que o setor da construção civil, que hoje tem reconhecida capacidade ociosa, tem condições de gerar "rapidamente grande quantidade de empregos, sem exigências imediatas de qualificação educacional".
Esclarecemos naquela ocasião que, ainda que existissem recursos em abundância para o investimento em habitação, não se poderia ignorar que, entre a compra do terreno, a "via crucis" para aprovação do projeto e obtenção do financiamento, a construção, a comercialização e a entrega do produto, são consumidos no mínimo dois anos. Sugerimos, então, pressa na elaboração e implantação da nova política habitacional, devendo o tema ser incluído na pauta de debates do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social).
Pouco depois, os fatos nos vêm confirmar a propriedade daquela sugestão. A instabilidade que passou a dominar o país no final de julho, quando milhares de sem-teto invadiram áreas e prédios públicos e privados em regiões metropolitanas do país, induziu o próprio CDES a defender fortes investimentos públicos na área de habitação, como forma de antecipar o "espetáculo do crescimento". Foi proposta uma "agenda de emergência" para a retomada do crescimento em curto prazo, envolvendo necessariamente a construção civil.
Consoante com esse posicionamento, e à luz do movimento dos sem-teto, o vice-presidente da República, José Alencar, afirmou, textualmente, que o Brasil precisa começar a fazer já um milhão de casas populares. E o ministro José Dirceu complementou: "O governo tem de buscar recursos, buscar políticas que incentivem o crescimento da economia, a geração de emprego, investimentos na área de habitação".



O setor da construção civil tem condições de gerar rapidamente grande quantidade de empregos

Diante disso, voltamos a nos dirigir ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus ministros de Estado, acrescentando às questões de honra e tempo a questão emergencial. Reconhecemos que estamos diante de uma crise há tempos anunciada. O déficit habitacional não surgiu neste governo. Vem de longa data, fruto da desídia de governos anteriores em considerar nossos recorrentes alertas sobre o estopim de convulsão social que representava a falta de teto.
Um problema que começou a se agravar no momento em que se deixou de financiar moradias em volume compatível com a demanda e se passou a adotar uma série de medidas exógenas à legislação que criou o Sistema Financeiro da Habitação. Saímos de um patamar de 500 mil unidades financiadas anualmente pelo SFH e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, no início dos anos 80, para insignificantes 40 mil unidades/ano, que foi a média na década de 90 -volume este que diminuiu ainda mais entre 2000 e 2002-; situação inaceitável para um país que precisa produzir pelo menos um milhão de moradias por ano, só para atender ao crescimento vegetativo da população, e que possui, já instalado, um déficit de 6,6 milhões de unidades.
A crise a que assistimos só teria sido evitada se os governos dos últimos 15 anos tivessem a vontade política de enfrentar o problema. Mais ainda: a coragem de colocar em prática essa vontade.
O governo Lula demonstra ter a vontade e a coragem. Chegou até mesmo a acelerar a liberação de R$ 5,3 bilhões para habitação, aprovados pelo Conselho Curador do FGTS no final do ano passado. Na prática, porém, pouco dessa decisão ganhará concretude em curto prazo. Os recursos estão lá, mas retirá-los da Caixa Econômica Federal não é tarefa simples. Há a burocracia e, quando as operações envolvem a produção de imóveis, as exigências são inúmeras.
Isso sem falar na modesta participação dos agentes financeiros privados nas operações de crédito imobiliário; sem mencionar, também, os problemas da indexação dos contratos e das ameaças permanentes de esvaziamento das únicas fontes de recurso para a habitação: a caderneta de poupança e o FGTS, este último "objeto de desejo" de outros segmentos, como o mercado acionário; e sem enfatizar, ainda, os "spreads" bancários e a falta de segurança jurídica que cada vez mais inibem o investimento, seja no mercado de imóveis ou em qualquer segmento produtivo.
Habitação: uma questão de honra -e o tempo já se esgotou! Aproveitemos o despertar dessa consciência para colocar imediatamente em prática os inúmeros planos e projetos já desenhados.
Aproveitemos, especialmente, a existência de um organismo como o CDES, capaz de conferir celeridade à formatação de uma nova política habitacional para o Brasil. E aproveitemos a vantagem de contar com um Ministério das Cidades para sua rápida operacionalização; ministério esse cuja criação é mais uma prova da firme disposição do presidente Lula de enfrentar a falta de moradia e as consequências inevitáveis quando um país não oferece condições mínimas de dignidade a seus cidadãos.
Mais uma vez, cumprimos nosso dever de cidadania. O Secovi novamente se coloca à disposição do governo brasileiro para iniciar a sutura dessa vergonhosa chaga social que é a falta de teto, de emprego, de renda, de perspectivas de prosperidade e felicidade.

Romeu Chap Chap, 69, engenheiro civil, é presidente do Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo).


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