São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

Próximo Texto | Índice

DEBATE ECONÔMICO

A política macroeconômica brasileira está apoiada em três pilares: taxa de juros elevada, para cumprir a meta de inflação de 5,5% em 2004 e de 4,5% em 2005, com tolerância de 2,5 pontos percentuais; taxa de câmbio flutuante com livre movimento de capitais, a fim de consolidar as contas externas; e superávit fiscal de 4,25% do PIB, para conter o crescimento da dívida pública.
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa Selic para 16,25% na semana passada, sinalizando que esse seria apenas o início do processo de "ajuste", trouxe para o debate a possibilidade de se utilizarem outros instrumentos para tentar evitar novos aumentos dos juros. Uma dessas alternativas seria promover um aumento da meta de superávit fiscal de 2005 e aceitar maior valorização da taxa de câmbio para tentar facilitar o cumprimento da meta de inflação sem comprometer o dinamismo econômico.
Essa alternativa pode fazer sentido na lógica do modelo macroeconômico, mas não vai ao âmago do problema. A despeito de uma certa deterioração das expectativas de inflação -de 7,3% para este ano e 5,6% para o próximo, acima das metas, mas dentro das margens de tolerância-, não parece haver pressões inflacionárias generalizadas que justifiquem políticas monetária e fiscal ainda mais contracionistas. Essas pressões localizadas se originam em tarifas de serviços públicos indexadas, alta dos preços do petróleo e de "commodities" e aumento de impostos e de produtos de mercados oligopolizados.
Com a retomada do crescimento, as empresas procuram recuperar suas margens de lucro, mas não há semelhanças nesse processo com a escalada da inflação da década de 1980, sobretudo porque a situação externa é bastante mais favorável. O superávit comercial se aproxima de US$ 31 bilhões, diminuindo as pressões sobre o câmbio e os preços.
Diante disso, seria mais coerente aperfeiçoar o sistema de metas. Há vários caminhos, como adotar o núcleo do índice de inflação, expurgando efeitos sazonais; ampliar o tempo para o cumprimento da meta, sobretudo diante de choques de oferta; e renegociar os contratos indexados de tarifas públicas, substituindo o IGP-M pelo IPCA ou por um índice que reflita os custos do setor.
Ademais, a retomada do crescimento econômico, junto com a elevação de alguns tributos, tem permitido ao governo atingir sucessivos recordes na arrecadação e, portanto, obter superávits fiscais maiores do que as metas. Nos 12 meses encerrados em julho, por exemplo, o superávit primário foi de 4,65% do PIB.
O aumento dos juros dificulta também a gestão da dívida pública e impõe limites à expansão dos investimentos. Taxas mais altas sinalizam aos empresários que o crescimento poderá ter fôlego curto. Se a inflação ameaçar subir, o BC precisará esfriar a demanda, e as empresas adiarão seus investimentos.
É imperioso fugir do dilema estabilidade ou crescimento. Para que a meta de inflação seja compatível com uma recuperação prolongada, seria preciso que essa política fosse um pouco mais razoável e flexível.


Próximo Texto: Editoriais: UNIVERSIDADE PARA TODOS

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.