São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Viva a especulação!

A elevação da taxa básica de juros, em si, foi uma ducha de água fria para quem estava pensando em tomar dinheiro emprestado para investir.
Mais grave do que isso, porém, foi o anúncio de que a elevação dos juros nesta semana é apenas a primeira de uma longa série de aumentos que terão lugar daqui para a frente. Não posso pensar em uma frase mais infeliz do que essa.
Foi uma senha negativa para os investidores produtivos e um grande presente para os especuladores. Com isso, o Banco Central deu o seguinte recado: "Prezados participantes da ciranda financeira, preparem-se para ganhar muito dinheiro, porque a ciranda vai rodar -e muito".
Sei bem que a questão é técnica. É parte da boa técnica, entretanto, não fazer anúncios que orientam os investimentos para a especulação, tirando-os da produção. Os economistas estão cansados de saber que os fatores psicológicos contam muito na formação das expectativas e das decisões de investir.
Foi uma sinalização descabida e que atendeu aos interesses de quem não produz, em especial dos alquimistas que se põem a fazer análises de riscos na casa dos vizinhos. Esses devem estar felizes. Não só a taxa de juros aumentou como as autoridades monetárias prometeram que irão iniciar um processo de aumentos seqüenciados "para garantir o futuro".
Os gurus que hoje festejam a decisão do Copom falam bem do Brasil e de sua política econômica, anunciando para o mundo que o país fez o que deveria ser feito. Gostaria de saber quantos deles recomendam aos seus clientes que venham produzir no país. Os investimentos estrangeiros diretos neste ano ficarão em torno de US$ 10 bilhões, enquanto o total para os países emergentes de todo o mundo chegará a US$ 230 bilhões.
Se estamos fazendo tudo certo, por que eles não vêm investir em nossa produção? Por que eles se negam a nos ajudar a criar empregos para os brasileiros? Qual é o significado do seu aplauso?
São perguntas que me intrigam. A resposta que dou a mim mesmo é muito simples. Para os especuladores, estamos fazendo tudo certinho para encher os seus bolsos! É por isso que eles aplaudem. E o lado real da economia brasileira continua sujeita às lamentáveis políticas de "stop and go", que arrocham os produtores e consumidores toda vez que eles se põem a trabalhar sério, a gerar emprego e a ativar a economia.
É claro que as teorias dos defensores de juros altos são sofisticadas. Mas seu propósito é simples. Eles procuram provar que o Brasil não pode crescer, porque isso instiga a inflação. E daí para o amargo remédio é um pulo: "Não deixem a economia se aquecer. Aumentem os juros. Aniquilem os consumistas. Segurem os produtores".
Está na hora de darmos um basta. Temos de nos livrar dos sofismas maliciosos de quem só pensa em si e no enriquecimento sem trabalho. Repito a minha pergunta aos defensores dos juros altos: "Quantos de vocês estão investindo na produção nacional?".


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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