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RUY CASTRO
Vide bula
RIO DE JANEIRO - Entre todos
os formatos para os quais é possível
escrever, já publiquei em livro, jornal, revista, anúncio, rádio, TV, cinema, internet, disco infantil, aviso
fúnebre e placa em pedra fundamental. Quando estudante, em
1967, pichei "Fora FMI" em inocentes muros da zona norte. Já fiz
discurso de paraninfo, elegia à beira
de túmulo e até palestra no barracão do Império Serrano, sob 45º e
empatando a feijoada de 1.500 foliões.
Mas falta-me um veículo no currículo: a bula de remédio. Nunca escrevi uma. E com razão. Legítimas
contemporâneas da missa em latim, da crítica literária em estruturalês arcaico e dos filmes de Glauber Rocha, as bulas só podem ser escritas -e lidas- por profissionais
do ramo. No caso, da medicina, da
farmacologia e da alquimia avançadas.
Não só é difícil para o leigo compreender o que se escreve nelas, como é quase impossível ler o que está
impresso naquele corpinho 4, sem
serifa -e, por uma cruel ironia, os
leitores de bulas costumam ser pessoas em idade de ter vista cansada e
esquecer onde deixaram os óculos.
Às vezes é melhor que nem leiam,
porque as reações adversas provocadas por um prosaico analgésico
podem variar de nariz entupido, coceira e asma a escorbuto, infarto e
derrame cerebral, só que descritos
em linguagem científica.
Pois tudo isso vai mudar. A partir
de 2011, as bulas terão de ser escritas em português corrente, ao alcance de qualquer moribundo, e
compostas no mesmo tamanho, entrelinhamento e fonte do texto que
você está lendo. Virão em forma de
pergunta e resposta, citarão as porcentagens de ocorrência das tais
reações adversas e trarão várias outras alterações para melhor. Enfim,
a bula não poderá mais humilhar
ninguém.
Quem sabe não tenho um futuro
como redator de bulas?
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