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TENDÊNCIAS/DEBATES
Choques e voluntarismo
TARSO GENRO
O artigo do senador Cristovam
Buarque "Anorexia histórica", publicado nesta Folha (11/10, pág. A3), critica o governo Lula em dois pontos. Primeiro, porque o governo não produz
um "choque social" -para o qual ele
oferece uma receita, devidamente facilitada, mas sem indicação de custos. Suponho que a mesma deve ser vista com
reservas, pois alguém poderia opor uma
outra receita, também dotada de racionalidade: por exemplo, manter em 2005
os gastos sociais no nível orçamentário
de 2004 e jogar, naquele ano, todos os
recursos disponíveis em investimentos
de infra-estrutura. Esses investimentos,
segundo o autor da receita alternativa,
gerariam mais desenvolvimento e então, no ano de 2006, poderia o governo
iniciar gastos sociais ainda maiores, logo com políticas que produziriam efeitos distributivos ainda mais ampliados.
Não seria melhor? Seria tão-somente
um outro "choque", apenas adiado.
A tentação do choque sempre é característica dos espíritos dotados de boa
vontade, mas de pouca inclinação ao
êxito. O choque sempre exige a subordinação de todas as outras necessidades
do governo e do Estado ao seu objeto. É
sempre inspiração messiânica, não discutida nem compartilhada com a sociedade, que apenas "recebe o choque".
O choque é a terapia dos justos com
iniciativa. Um exemplo bastante claro
da incoerência de qualquer choque, na
área da educação, é querer responder
com de medidas espetaculares a questão do financiamento do ensino médio.
Ao longo da história da América Latina,
a necessidade de qualificação desse ensino sempre esteve em conflito com o
mercado de trabalho gerado pelo tipo
de desenvolvimento aqui concebido. O
ensino médio, preparo para o acesso ao
ensino superior, sempre foi restritivo,
vedando o acesso das amplas camadas
da cidadania ao saber e à repartição do
poder político. Resolver isso com choques é, no mínimo, aventura. Essas políticas jamais levam em consideração as
distintas necessidades da sociedade e a
possibilidade de executar políticas públicas de verdadeira durabilidade.
A segunda acusação que ele faz no seu
artigo nos toca de perto. O senador diz
que interrompemos o seu receituário.
Depois de sua respeitável passagem pelo ministério, o presidente deu-nos a
oportunidade de reorganizar a agenda
do MEC, já que havia um elenco de projetos não só sem recursos para a realização mas também com uma série de superposições que estonteavam os eventuais executores.
Quatro eixos orientam a política atual
do Ministério da Educação: alfabetização com inclusão educacional e social;
valorização do ensino técnico e profissional; reforma da educação superior; e
qualidade na educação básica, com a
instituição do novo Fundeb (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica). Por esses eixos,
transversalmente, passam mais de 200
programas de trabalho. Passemos, então, a pontuar alguns deles.
Na educação infantil, concluímos um
debate nacional, com oito seminários
regionais, que deliberou por iniciar a
formação dos 37 mil profissionais hoje
simplesmente sem formação específica.
Com o Fundeb, a educação infantil, pela
primeira vez na história, terá financiamento próprio, o que resultará, processualmente, em "criação de vagas para
crianças de quatro anos".
O Promed (Programa de Melhoria e
Expansão do Ensino Médio), em convênio com 26 secretarias estaduais, aumenta a oferta de vagas para o ensino
médio com repasse na ordem de R$ 26,5
milhões. Menos discurso, mais ação e
resultado.
O controle digital de freqüência alcançará, até 2006, 70% das escolas públicas
do ensino fundamental, possibilitando
a contenção da evasão escolar através de
um planejamento educacional amparado em resultados efetivos dos alunos. A
iniciativa também permite a "reforma
do Programa Bolsa-Família", sobretudo contemplando a condicionalidade
da freqüência escolar -que, aliás, alcançou 19% de controle em 2003!
O Programa Brasil Alfabetizado ampliou, neste ano, de seis para oito meses
o processo de alfabetização e investiu na
capacitação. Até 2006 o governo Lula terá alfabetizado mais de 10 milhões de
pessoas, reduzindo significativamente o
índice de analfabetismo no país. Estamos, inclusive, instalando processos
que controlem o resultado efetivo dos
cursos.
O Fundeb significa a grande revolução de qualidade da educação básica no
país. Serão 18 % de impostos vinculados
à manutenção e desenvolvimento do
ensino, com reintegração da parcela da
DRU à educação, de forma gradual, à
proporção de 25% por ano, de modo a
completar a revinculação em 2008.
"A reforma de todas as escolas brasileiras com compra de equipamentos
modernos" é o caminho que o governo
federal já começou a trilhar ao assegurar
o aumento de R$ 3,4 bilhões no Orçamento de 2005, colocando assim a educação no centro do projeto de desenvolvimento de uma nova nação.
Sem choques, mas através de um processo planejado e profundo, o governo
Lula avança na educação sem populismo e sem messianismo.
Tarso Genro, 57, advogado, é o ministro da
Educação. Foi ministro da Secretaria Especial do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2003).
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