São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Choques e voluntarismo

TARSO GENRO

O artigo do senador Cristovam Buarque "Anorexia histórica", publicado nesta Folha (11/10, pág. A3), critica o governo Lula em dois pontos. Primeiro, porque o governo não produz um "choque social" -para o qual ele oferece uma receita, devidamente facilitada, mas sem indicação de custos. Suponho que a mesma deve ser vista com reservas, pois alguém poderia opor uma outra receita, também dotada de racionalidade: por exemplo, manter em 2005 os gastos sociais no nível orçamentário de 2004 e jogar, naquele ano, todos os recursos disponíveis em investimentos de infra-estrutura. Esses investimentos, segundo o autor da receita alternativa, gerariam mais desenvolvimento e então, no ano de 2006, poderia o governo iniciar gastos sociais ainda maiores, logo com políticas que produziriam efeitos distributivos ainda mais ampliados. Não seria melhor? Seria tão-somente um outro "choque", apenas adiado.
A tentação do choque sempre é característica dos espíritos dotados de boa vontade, mas de pouca inclinação ao êxito. O choque sempre exige a subordinação de todas as outras necessidades do governo e do Estado ao seu objeto. É sempre inspiração messiânica, não discutida nem compartilhada com a sociedade, que apenas "recebe o choque".
O choque é a terapia dos justos com iniciativa. Um exemplo bastante claro da incoerência de qualquer choque, na área da educação, é querer responder com de medidas espetaculares a questão do financiamento do ensino médio. Ao longo da história da América Latina, a necessidade de qualificação desse ensino sempre esteve em conflito com o mercado de trabalho gerado pelo tipo de desenvolvimento aqui concebido. O ensino médio, preparo para o acesso ao ensino superior, sempre foi restritivo, vedando o acesso das amplas camadas da cidadania ao saber e à repartição do poder político. Resolver isso com choques é, no mínimo, aventura. Essas políticas jamais levam em consideração as distintas necessidades da sociedade e a possibilidade de executar políticas públicas de verdadeira durabilidade.
A segunda acusação que ele faz no seu artigo nos toca de perto. O senador diz que interrompemos o seu receituário. Depois de sua respeitável passagem pelo ministério, o presidente deu-nos a oportunidade de reorganizar a agenda do MEC, já que havia um elenco de projetos não só sem recursos para a realização mas também com uma série de superposições que estonteavam os eventuais executores.
Quatro eixos orientam a política atual do Ministério da Educação: alfabetização com inclusão educacional e social; valorização do ensino técnico e profissional; reforma da educação superior; e qualidade na educação básica, com a instituição do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Por esses eixos, transversalmente, passam mais de 200 programas de trabalho. Passemos, então, a pontuar alguns deles.
Na educação infantil, concluímos um debate nacional, com oito seminários regionais, que deliberou por iniciar a formação dos 37 mil profissionais hoje simplesmente sem formação específica. Com o Fundeb, a educação infantil, pela primeira vez na história, terá financiamento próprio, o que resultará, processualmente, em "criação de vagas para crianças de quatro anos".
O Promed (Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio), em convênio com 26 secretarias estaduais, aumenta a oferta de vagas para o ensino médio com repasse na ordem de R$ 26,5 milhões. Menos discurso, mais ação e resultado.
O controle digital de freqüência alcançará, até 2006, 70% das escolas públicas do ensino fundamental, possibilitando a contenção da evasão escolar através de um planejamento educacional amparado em resultados efetivos dos alunos. A iniciativa também permite a "reforma do Programa Bolsa-Família", sobretudo contemplando a condicionalidade da freqüência escolar -que, aliás, alcançou 19% de controle em 2003!
O Programa Brasil Alfabetizado ampliou, neste ano, de seis para oito meses o processo de alfabetização e investiu na capacitação. Até 2006 o governo Lula terá alfabetizado mais de 10 milhões de pessoas, reduzindo significativamente o índice de analfabetismo no país. Estamos, inclusive, instalando processos que controlem o resultado efetivo dos cursos.
O Fundeb significa a grande revolução de qualidade da educação básica no país. Serão 18 % de impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, com reintegração da parcela da DRU à educação, de forma gradual, à proporção de 25% por ano, de modo a completar a revinculação em 2008.
"A reforma de todas as escolas brasileiras com compra de equipamentos modernos" é o caminho que o governo federal já começou a trilhar ao assegurar o aumento de R$ 3,4 bilhões no Orçamento de 2005, colocando assim a educação no centro do projeto de desenvolvimento de uma nova nação.
Sem choques, mas através de um processo planejado e profundo, o governo Lula avança na educação sem populismo e sem messianismo.


Tarso Genro, 57, advogado, é o ministro da Educação. Foi ministro da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2003).


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