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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Abaixo o tráfico de influência
Parte das elites brasileiras habituou-se ao tráfico de influência. O
hábito se agravou durante o atual governo por conta da condução das privatizações. Está previsto no Código
Penal como o crime de que trata o artigo 332: "Tráfico de influência. Solicitar, exigir, cobrar ou obter para si ou
para outrem, vantagem ou promessa
de vantagem, a pretexto de influir em
ato praticado por funcionário público
no exercício da função." Ocorre mesmo quando o funcionário não haja sido compensado. Tem por contrapartida a advocacia administrativa, o patrocínio de interesse privado por parte
de funcionário. Como o "lobby" não
está regulamentado no Brasil, o direito brasileiro é mais severo do que, por
exemplo, o americano na criminalização dessas práticas.
O país deseja intensamente acabar
com a corrupção. A fonte mais importante da corrupção é o financiamento
das campanhas eleitorais. A variante
mais prejudicial da corrupção é aquela que dissolve a capacidade do Estado
no ácido das influências privadas. Nenhum projeto transformador se viabilizará no Brasil se não desprivatizar o
Estado.
As condições para desprivatizá-lo
estão dadas pela combinação de três
circunstâncias: a eleição de novo governo que não está no bolso de ninguém, a formação de massa crítica de
jovens procuradores e juízes decididos a mudar as regras do jogo e o aumento da intolerância pública para
com o que alguns endinheirados consideram natural.
Inconscientes dessa transformação,
ou indiferentes a ela, como drogados à
beira do precipício, grandes empresários já se movimentam para restabelecer, sob o novo regime, o tráfico em
que se viciaram. Um alega aos comparsas que financiou a campanha de
tal político ascendente; outro, que se
entende com o provável diretor de
certo fundo de pensão; outro, ainda,
que tem os ouvidos de quem pode, em
ministérios e bancos públicos, garantir o belo negócio que planeja. Tudo
entre amigos. Dentro de dois ou três
anos, alguns desses traficantes de influência estarão -há razões para esperar- condenados e presos.
O que fazer?
Em primeiro lugar, financiar com
recursos públicos as campanhas eleitorais. É a mais urgente das reformas
políticas e a que conta com mais amplo apoio.
Em segundo lugar, demonstrar determinação de não transigir com o tráfico de influência. O governo não deve
esperar pelo Ministério Público; deve
instituir medidas permanentes de vigilância e de investigação internas.
Nas áreas críticas, como a administração dos fundos de pensão, convém renovação radical de quadros.
Em terceiro lugar, regulamentar, de
maneira restritiva e rigorosa, o "lobby",
para marcar a divisória entre a representação legítima de interesses privados e a atividade criminosa do tráfico
de influência.
Em quarto lugar, criar as instituições
que nos poupem de escolher entre um
Estado que nada faz pela produção e
um Estado que se rende a clientelas.
Instituições que subordinem qualquer apoio público a regras impessoais e a critérios de desempenho. E
que insistam na democratização das
oportunidades e no aprofundamento
da concorrência como condições e como objetivos da atuação econômica
do Estado. Enquanto política industrial significar fila especial no recebimento de favores públicos, não teremos política industrial sadia nem desenvolvimento democratizante.
Se o novo governo iniciar essas medidas saneadoras, terá andado meio
caminho na conquista da autoridade
de que precisa para mudar o Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
Internet: www.law.harvard.edu/unger
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