São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fome é problema político

MAURO MORELLI

Na 1ª Cúpula Mundial da Alimentação, o presidente Kennedy afirmava que, para a solução do problema da fome, não faltariam recursos e tecnologia, bastaria decisão política.
No início de mais um milênio, a fome continua questão política, não um problema divino. Um grave problema social cuja matriz é a própria ordem econômica.
Com que sabedoria e perspicácia o presidente eleito Lula fugiu ao cerco da curiosidade do mercado sobre os novos titulares da equipe econômica, apontando a fome como o grande desafio da sociedade brasileira.
Fomos capazes de construir uma das maiores economias do mundo, sem que tivéssemos cuidado ou vontade de repartir o fruto do trabalho de forma equitativa e justa. Concentramos riquezas e acumulamos miséria, por isso a fome e outros males perturbam e inviabilizam a paz social.
A orquestração de um pacto social só se justifica se o seu destinatário for o faminto e o excluído. Daí a proposta de um Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, que aponte os eixos da economia e o rumo do desenvolvimento.
Os movimentos sociais comprometidos com a defesa e a promoção do direito humano básico ao alimento e à nutrição propõem a soberania alimentar como uma das bases do desenvolvimento. Estejamos atentos à degradação do meio ambiente, bem como à manipulação genética dos alimentos subordinada aos critérios e interesses do mercado. Além do saque de riquezas da biodiversidade amazônica, corremos o risco de perder o controle das próprias sementes. Que a segurança alimentar nutricional sustentável seja, pois, um dos eixos do desenvolvimento. Não devendo o alimento ser tratado como mercadoria, estejamos mais atentos às exigências da OMS (Organização Mundial da Saúde) do que da OMC (Organização Mundial do Comércio). Isto vale inclusive para as nossas universidades.


Por uma questão de cidadania, o mercado interno deve ser a meta primeira de nossa produção


Como exigência de cidadania, a economia deveria ser obrigatoriamente participativa nas decisões sobre seus rumos, na oferta de trabalho e na distribuição dos lucros. A superação da miséria e da fome não será resolvida por outros expedientes, seja a distribuição de alimentos ou das migalhas das políticas compensatórias.
Por uma questão de cidadania, o mercado interno deve ser a meta primeira de nossa produção, se bem que podemos e devemos contribuir para a solução da fome e de outros problemas da comunidade internacional.
De imediato estabeleçamos uma agenda mínima que nos permita libertar milhões de brasileiros e brasileiras dos grilhões da miséria e da fome.
Além da reforma tributária e do fortalecimento do Fundo de Combate à Pobreza, é decisiva a criação de sistema interno de financiamento do desenvolvimento. Outras medidas são necessárias, para desencorajar a remessa de divisas ao exterior e reduzir a economia informal -uma economia perversa, pois não sofre tributação e não cultiva a solidariedade. Como sinal de patriotismo e de solidariedade com os famintos, que pessoas e organizações com depósitos e investimentos no exterior sejam incentivadas a aplicar sua riqueza no desenvolvimento do país.
Não venceremos miséria e fome sem um grande mutirão para erradicar o analfabetismo, garantir educação de base e a construção ou a melhoria de moradias que ofereçam abrigo com privacidade e salubridade a todas as famílias. Implemente-se política agrária e agrícola que propicie a produção de alimentos saudáveis e baratos para a mesa do povo. Da mesma forma, acelerem-se o saneamento básico e a produção de energia segura e de baixo custo.
Um novo Brasil é possível, livre dos males da miséria e da fome, da corrupção e da violência. Veremos um novo dia amanhecer, para alegria das crianças.


Dom Mauro Morelli, 67, é bispo católico de Duque de Caxias (RJ) e membro da coordenação do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional.


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