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São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil repensado a partir das cidades

NABIL BONDUKI

A Conferência Nacional das Cidades, realizada em Brasília no final de outubro, recebeu menos destaque do que o merecido. O evento, promovido pelo Ministério das Cidades, reuniu de forma inédita mais de 2.000 delegados eleitos em 3.500 conferências municipais e 27 estaduais realizadas em todo o país, representando a enorme diversidade de regiões, segmentos e atores que trabalham com a questão urbana. Marcou a criação e eleição do Conselho Nacional das Cidades, onde estarão representados poder público, movimento popular e sindical, entidades empresariais, profissionais, acadêmicas e ONGs.
Tratou-se de uma experiência inovadora de construção de diretrizes para a política urbana, que agora serão detalhadas pelo conselho e por suas câmaras técnicas de habitação, saneamento ambiental, transporte/mobilidade urbana e planejamento territorial. As diretrizes vieram da base, a partir dos encontros nas cidades e Estados, e foram debatidas de forma aprofundada.
Uma nova política nacional para as cidades não pode ser concebida e implementada apenas pelo ministério, que, ademais, conta com estrutura e recursos reduzidos. Cabe ao governo federal coordenar a formulação dessa política, garantindo a integração das políticas setoriais, a definição do papel de cada agente e o planejamento, em nível nacional, da sua implementação.
Assim, esse processo de construção pela base não é apenas uma decorrência da prática de participação que o PT sempre defendeu e que muitos criticam como sendo uma espécie de "assembleísmo permanente". Trata-se de um método que objetiva formular políticas com a contribuição de todos os que têm um papel a desempenhar no enorme desafio que é garantir o direito à cidade, ou seja, habitação digna, universalização do saneamento ambiental, transporte público de qualidade e cumprimento da função social da propriedade.
É nessa perspectiva, de fazer do conselho um instrumento para mobilizar a sociedade, que deve ser compreendida a gigantesca empreitada do Ministério das Cidades, apoiada por Estados e municípios, para realizar a conferência.
Os problemas que apareceram na composição do Conselho das Cidades, em particular no que diz respeito à representação federativa, foram consequência do ineditismo da proposta.


Uma nova política nacional para as cidades não pode ser concebida e implementada apenas pelo ministério

Desde a extinção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU), imposto pelo regime militar, de forma burocrática, nunca mais o Brasil teve um órgão colegiado para buscar soluções para a problemática urbana. Não é fácil contemplar, de forma democrática, a enorme diversidade existente num país formado por mais de 5.000 municípios, situados em regiões tão diferentes.
A proposta da coordenação executiva previa que o conselho seria formado por representantes das entidades nacionais. No entanto verificou-se que muitos delegados, movimentos e entidades que chegaram à etapa nacional eleitos por suas regiões, principalmente no Norte e no Nordeste, não se sentem representados por entidades nacionais.
Acredito que esse problema tenha decorrido de um certo desconhecimento da complexidade do país por parte das entidades nacionais, da coordenação executiva e do próprio ministério. Revelou-se a existência de um problema federativo, que precisa ser enfrentado e que se reflete nas políticas públicas, pois são as entidades nacionais que tradicionalmente interferem no processo de elaboração das políticas e programas urbanos.
É preciso que todos estejam efetivamente representados. Ao longo da conferência, esse problema foi enfrentado de modo democrático, mostrando a capacidade que o diálogo e o debate têm para resolver conflitos. Ao final foi proposta a eleição, pelos delegados de cada Estado, de um conselheiro observador, com direito a voz, para representar o Estado no conselho.
Outro aspecto que deve ser ressaltado foi a expressiva participação dos vereadores, que mostraram a importância do Legislativo municipal na implementação de uma nova política urbana no país. Sem as Câmaras Municipais não se pode implementar o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor nem rever a legislação urbanística. Conseguimos fortalecer a Frente Nacional de Vereadores pela Reforma Urbana, que se tornou uma referência para uma grande quantidade de parlamentares que querem romper seu isolamento e participar da formulação das políticas da área.
Instalado, o Conselho Nacional das Cidades terá tarefas de grande importância, como debater e aprovar, a partir das linhas estabelecidas na conferência, a nova política nacional de habitação e a regulamentação da prestação de serviços de saneamento. Também criará mecanismos para garantir a implementação do Estatuto da Cidade no Brasil inteiro. Entre as várias questões a serem definidas por ele, estará em pauta a criação do Sistema Nacional de Habitação e do Fundo Nacional de Habitação.
Como membro eleito do conselho, espero contribuir para que a nova política nacional de desenvolvimento urbano crie as condições econômicas, institucionais e políticas para que os municípios possam enfrentar o desafio de garantir a todo cidadão o direito à cidade.

Nabil Georges Bonduki, 48, arquiteto e urbanista, é vereador pelo PT em São Paulo e coordenador de relações institucionais da Frente Nacional de Vereadores pela Reforma Urbana.


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