São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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BOM PRESIDENTE, GOVERNO NEM TANTO

Seria prematura uma avaliação conclusiva sobre o legado de Fernando Henrique Cardoso antes que o decorrer do tempo permita considerar, em perspectiva histórica, seu extenso período de oito anos na Presidência da República. Parece mais sensato ressaltar ângulos positivos e negativos da gestão que se encerra, na tentativa de definir um saldo que, na opinião desta Folha, é moderadamente favorável.

O atual governo implantou reformas que liberalizaram a economia, propiciando expressivos avanços em termos de produtividade e modernização, e estabeleceu parâmetros de responsabilidade orçamentária na gestão pública. Deixou de realizar, no entanto, outras reformas importantes, como a previdenciária, a fiscal e a política _sem esta última, por exemplo, futuros governos estarão fadados a repetir o procedimento de barganhas discutíveis e pontuais que permitiu ao presidente governar e, aliás, se reeleger.

Universalizou-se o acesso ao ensino fundamental e teve início um mapeamento qualitativo das escolas e dos alunos. Na esfera da saúde pública, apesar do recrudescimento de certas endemias, ampliou-se a vacinação, fixaram-se políticas preventivas e realizou-se trabalho exemplar no enfrentamento da Aids. Houve melhora na aplicação do gasto social, por meio de programas de transferência de renda que aos poucos substituem práticas assistencialistas. De modo geral, a administração pública pautou-se por critérios de racionalidade.

Sem embargo da elevação dos níveis de renda nos estratos mais pobres, sobretudo no período seguinte à implementação do Plano Real, as diferenças sociais continuam a apresentar um abismo dramático. O principal apanágio do governo _a estabilidade de preços, mantida a duras penas em meio a um cenário externo turbulento_ impôs um custo devastador, que poderia ter sido aliviado, talvez, se uma política cambial menos dogmática não tivesse prevalecido por tanto tempo.

A excessiva dependência de capitais externos compeliu a uma política de juros escandalosos que asfixiou a atividade, produzindo desemprego da ordem de 8% e crescimento médio anual de apenas 2,3%. Tal política transfere recursos da sociedade aos bancos à custa do consumo e do investimento produtivo. E, mesmo assim, novo surto inflacionário está à porta.

O presidente Fernando Henrique terá frustrado os que dele esperavam um governo tanto mais arrojado e imaginativo quanto menos mutilado por tais concessões. Compensou-os pela honradez pessoal com que se portou e por uma atitude de tolerância que muito contribuiu para desenvolver as instituições e instalar um clima de serenidade no país, sem os traumatismos do passado ainda recente. Seu discernimento intelectual, seu senso de equilíbrio em momentos críticos, até mesmo seu bom humor deram o tom da atmosfera civilizatória que, apesar de tudo, predominou ao longo dos anos FHC.

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