|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OTAVIO FRIAS FILHO
FHC na História
Já é quase um lugar-comum dizer
que o balanço da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso é
tarefa para historiadores do futuro.
Publicações periódicas podem reunir
dados disponíveis e expressar sentimentos imediatos. Falta-lhes, evidentemente, o enfoque de mais longo alcance que somente a decantação dos
fatos e de suas consequências pode
propiciar.
Verdadeira para a avaliação de qualquer período, essa ressalva se impõe
ainda mais no caso atual. De certa forma, a era FHC não termina na passagem do ano. Deverá estender-se por
algum tempo, seja nos desdobramentos da situação de extrema vulnerabilidade em que se encontra a economia, seja na manutenção da mesma
política durante o início, ao menos, do
novo governo.
Que seja essa a atitude do PT no poder o faz alvo de elogio e de crítica.
Elogio pelo sentido de responsabilidade com que se apresta a gerir uma situação difícil que não foi criada por
ele. Crítica pela evidência do muito
que havia de leviano na atitude que o
partido manteve enquanto era oposição e nas promessas de mudança que
prodigalizou na campanha eleitoral.
E a herança deixada por FHC tem a
marca das ambiguidades de um governo que sempre insistiu em repelir
maniqueísmos e sublinhar nuances. A
administração tucana realizou mais
uma das modernizações periódicas
pelas quais a economia brasileira se
ajusta às transformações verificadas
no cenário internacional sem conseguir alterar sua dependência nem resolver problemas internos seculares.
Embora os benefícios advindos do
Real -junto com as políticas compensatórias determinadas pela Constituição de 88 e aplicadas pelo governo- tenham evitado que o abismo
social se tornasse ainda mais calamitoso, a distância se manteve, se é que
não se ampliou. O "apartheid" informal que divide a sociedade brasileira
não sofreu alteração de monta.
Essa dicotomia, problema estrutural
da formação brasileira, segue dividindo a população em dois setores -um
moderno, dinâmico, integrado aos
padrões de produção e consumo do
mundo desenvolvido; outro manietado por carências materiais que condenam grandes contingentes a uma vida
sem possibilidades. É desolador que
esse quadro se reproduza após a longa
passagem pelo poder de um grupo de
intelectuais esclarecidos e reformistas.
É conhecida a resposta do governo.
Problemas que remontam às origens
históricas da sociedade não podem ser
resolvidos num mandato, nem mesmo numa geração. A conjuntura internacional, ademais, impôs severas
limitações à atuação dos governos,
que passaram a depender como nunca das oscilações do mercado e da necessidade de competir por capitais escassos e ariscos.
Será esse, provavelmente, o desafio
dos historiadores. Identificar em que
medida o atual governo deu curso ao
desenvolvimento das forças produtivas, derrubando obstáculos que mantinham o país atado. E em que medida, por outro lado, pautou-se por uma
política demasiado passiva e concessiva, abrindo mão de enfrentamentos
em nome da estabilidade e da conservação, agora frustrada, do poder.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A régua e o compasso Próximo Texto: Frases
Índice
|