São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

FHC na História

Já é quase um lugar-comum dizer que o balanço da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso é tarefa para historiadores do futuro. Publicações periódicas podem reunir dados disponíveis e expressar sentimentos imediatos. Falta-lhes, evidentemente, o enfoque de mais longo alcance que somente a decantação dos fatos e de suas consequências pode propiciar.
Verdadeira para a avaliação de qualquer período, essa ressalva se impõe ainda mais no caso atual. De certa forma, a era FHC não termina na passagem do ano. Deverá estender-se por algum tempo, seja nos desdobramentos da situação de extrema vulnerabilidade em que se encontra a economia, seja na manutenção da mesma política durante o início, ao menos, do novo governo.
Que seja essa a atitude do PT no poder o faz alvo de elogio e de crítica. Elogio pelo sentido de responsabilidade com que se apresta a gerir uma situação difícil que não foi criada por ele. Crítica pela evidência do muito que havia de leviano na atitude que o partido manteve enquanto era oposição e nas promessas de mudança que prodigalizou na campanha eleitoral.
E a herança deixada por FHC tem a marca das ambiguidades de um governo que sempre insistiu em repelir maniqueísmos e sublinhar nuances. A administração tucana realizou mais uma das modernizações periódicas pelas quais a economia brasileira se ajusta às transformações verificadas no cenário internacional sem conseguir alterar sua dependência nem resolver problemas internos seculares.
Embora os benefícios advindos do Real -junto com as políticas compensatórias determinadas pela Constituição de 88 e aplicadas pelo governo- tenham evitado que o abismo social se tornasse ainda mais calamitoso, a distância se manteve, se é que não se ampliou. O "apartheid" informal que divide a sociedade brasileira não sofreu alteração de monta.
Essa dicotomia, problema estrutural da formação brasileira, segue dividindo a população em dois setores -um moderno, dinâmico, integrado aos padrões de produção e consumo do mundo desenvolvido; outro manietado por carências materiais que condenam grandes contingentes a uma vida sem possibilidades. É desolador que esse quadro se reproduza após a longa passagem pelo poder de um grupo de intelectuais esclarecidos e reformistas.
É conhecida a resposta do governo. Problemas que remontam às origens históricas da sociedade não podem ser resolvidos num mandato, nem mesmo numa geração. A conjuntura internacional, ademais, impôs severas limitações à atuação dos governos, que passaram a depender como nunca das oscilações do mercado e da necessidade de competir por capitais escassos e ariscos.
Será esse, provavelmente, o desafio dos historiadores. Identificar em que medida o atual governo deu curso ao desenvolvimento das forças produtivas, derrubando obstáculos que mantinham o país atado. E em que medida, por outro lado, pautou-se por uma política demasiado passiva e concessiva, abrindo mão de enfrentamentos em nome da estabilidade e da conservação, agora frustrada, do poder.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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