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JOSÉ SARNEY
Saddam e Sofie
A única coisa boa que poderia
acontecer na Guerra do Iraque
aconteceu: a prisão de Saddam. Ele foi
um ditador cruel, uma sanguinária
presença, invadiu o Irã e o Kuait, usou
armas químicas contra os curdos e
provocou um terror internacional
ameaçando com armas de destruição
em massa que não tinha. Esse blefe foi
o argumento para a invasão do seu
país. Assassinou adversários e fez expurgos entre seus próprios adeptos,
com a liquidação até mesmo de membros de sua família, como os genros.
Deve ser julgado pelos crimes que cometeu, para exemplo de todos os tiranos. Na minha cabeça, não passa a pena de morte, pois sou totalmente contra ela.
Esse conflito teve aspectos de toda
ordem, dos mais cruéis, como Saddam, à linguagem usada para suas batalhas. Veja-se o nome que deram à
operação da captura do ex-ditador
iraquiano: Alvorada Vermelha. Por
que não dizer Prender Saddam? Não
necessitaria de interpretações. Outras
denominações são entre ridículas e sádicas: Causa Justa (invadir o Panamá),
Restaurar Esperanças (Somália), Justiça Infinita, transformada em Liberdade Duradoura (no Afeganistão),
Tempestade no Deserto (Guerra do
Golfo). Nesse terreno, consideram
Choque e Pasmo o maior sucesso do
que chamam de "sloganeering"! A engenharia do slogan. O marketing da
guerra.
Mas nome é sempre uma coisa complicada. Está na cabeça das pessoas. A
primeira vez que seriamente me deparei com isso foi na fazenda do meu pai,
com um vaqueiro de quem ele muito
gostava, que tinha o nome de Ludgéro. Um dia, ele começou a explicar como o tratavam: "Uns me chamam
Lúdgero, outros Ledgéro, outros Ledegéro, mas meu nome mesmo é Lodegero!".
Uma filha de uma amiga nossa era
Raimunda. Vivia triste, como se carregasse uma triste sina. Todo aquele
banzo era o nome. Não aceitava ser
Raimunda. Quiseram chamar-lhe
Mundica, Dica, Diquinha e ela foi ficando cada vez mais revoltada. Quando chegou a puberdade, houve uma
crise. Ameaçava matar-se: "Já sou
mulher, quero ter nome". Sua mãe
disse-lhe que escolhesse outro, e ela o
fez: "Sofie Marie Flor da Conceição".
Como Sofie ficou feliz, casou e só nós,
os mais velhos, lembramos que era
Diquinha.
Na política é pior. Programa carimbado como de um governo não tem
sobrevivência em outro. O "programa
do leite" sobreviveu porque era do leite e leite é leite. Já a tal Lei Sarney não
durou seis meses. Durante 20 anos,
trabalhei por incentivos à cultura. Os
generosos artistas brasileiros, sem que
estivesse na lei, deram o nome de Lei
Sarney. O presidente que chegou não
fez outra. Colocou logo o nome de Lei
Rouanet, que foi excelente ministro da
Cultura e é meu amigo. Acredito que a
causa da campanha contra a ferrovia
Norte-Sul tenha sido o nome. Se tivesse sido Sul-Norte ou São Paulo-Belém,
tudo teria sido diferente.
Em 1894, Machado de Assis avançava no estudo das mudanças de nome,
maneira de dar "sola nova e tacão direito". É o que vão fazer com o Calha
Norte, que cresceu, viveu, morreu e
ressuscitou. O projeto foi criado para
ocupar as fronteiras vazias da própria
calha norte do Amazonas e assistir
suas populações pobres.
Como a Raimunda que se tornou
Sofie, vai ser Projeto Fronteira e, assim, terá mais vida. É bom que seja assim. Os nomes podem ir, mas que fiquem as idéias. Como Sofie, que continuou vivendo e feliz.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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