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CLAUDIA ANTUNES
Fervor ideológico
RIO DE JANEIRO - Num país essencialmente "centrista", em que quase
ninguém se diz de direita, a palavra
ideologia acabou associada à esquerda. O conservadorismo não assumido, hegemônico, teve sucesso em imprimir ao conceito uma carga negativa, acusando intelectuais e partidos
esquerdistas de sustentar teorias carentes de comprovação prática ou já
condenadas pela realidade.
Ao apontar tal desvio, a direita quis
transformar o pragmatismo em marca de sua política na modernidade.
Esse conceito, porém, também ganhou sentido diferente do original,
passando a significar somente compromisso com a manutenção do status quo. Virou dogma direitista.
A troca de posições vem ocorrendo
há tempos, mas fica mais evidente
quando o PT, no poder, oferece capítulos diários de revisões e autocríticas. Agora, são os representantes da direita neoliberal, de dentro e fora do
governo, que exibem a maior garra
ao defender suas certezas -comportamento típico do "fervor ideológico"
identificado pelo Prêmio Nobel Joseph Stiglitz ao analisar o pensamento econômico que passou a predominar nas instituições financeiras internacionais a partir dos anos 80.
Cria desse pensamento, o círculo
palociano atua como guardião da
pureza doutrinária. Com aliados na
mídia, em bancos e em consultorias,
seus integrantes estão prontos a atacar quem ouse matizar sua crença na
infalibilidade dos mercados. Não importa que os juros comam o ajuste
nem que a falta de renda e de crescimento deixe os investidores ressabiados. Não enxergam o paradoxo de
agradar o capital com medidas que
contribuem para afastá-lo.
Nenhum alvo escapa dos olhos vigilantes dos guardiães. O último é o novo modelo para o setor elétrico. "Estatizante", bradam. "Não vai atrair
investidores", praguejam. O fracasso
do velho modelo e a experiência internacional, que depõe contra a falta
de planejamento nessa área, não entram na discussão. Contra a doutrina, as evidências não valem nada.
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