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São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

Fervor ideológico

RIO DE JANEIRO - Num país essencialmente "centrista", em que quase ninguém se diz de direita, a palavra ideologia acabou associada à esquerda. O conservadorismo não assumido, hegemônico, teve sucesso em imprimir ao conceito uma carga negativa, acusando intelectuais e partidos esquerdistas de sustentar teorias carentes de comprovação prática ou já condenadas pela realidade.
Ao apontar tal desvio, a direita quis transformar o pragmatismo em marca de sua política na modernidade. Esse conceito, porém, também ganhou sentido diferente do original, passando a significar somente compromisso com a manutenção do status quo. Virou dogma direitista.
A troca de posições vem ocorrendo há tempos, mas fica mais evidente quando o PT, no poder, oferece capítulos diários de revisões e autocríticas. Agora, são os representantes da direita neoliberal, de dentro e fora do governo, que exibem a maior garra ao defender suas certezas -comportamento típico do "fervor ideológico" identificado pelo Prêmio Nobel Joseph Stiglitz ao analisar o pensamento econômico que passou a predominar nas instituições financeiras internacionais a partir dos anos 80.
Cria desse pensamento, o círculo palociano atua como guardião da pureza doutrinária. Com aliados na mídia, em bancos e em consultorias, seus integrantes estão prontos a atacar quem ouse matizar sua crença na infalibilidade dos mercados. Não importa que os juros comam o ajuste nem que a falta de renda e de crescimento deixe os investidores ressabiados. Não enxergam o paradoxo de agradar o capital com medidas que contribuem para afastá-lo.
Nenhum alvo escapa dos olhos vigilantes dos guardiães. O último é o novo modelo para o setor elétrico. "Estatizante", bradam. "Não vai atrair investidores", praguejam. O fracasso do velho modelo e a experiência internacional, que depõe contra a falta de planejamento nessa área, não entram na discussão. Contra a doutrina, as evidências não valem nada.


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